A discussão lançada pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Paul Juncker, com vista a uma pretensa discussão estratégica sobre o futuro da União Europeia no seu próximo 60.º aniversário, com vista a enquadrar a forma como terá de ser implementado em breve o «Brexit», arrisca-se a equivaler na prática a «pensar o impensável», conforme é sugerido no título de um texto recente de Tony Barber no «Financial Times». Com efeito, as magras propostas do texto a submeter à discussão do Conselho Europeu por Juncker são a epítome das dúvidas existenciais que pairam sobre o futuro da UE.
O documento de Junker não só recua milhas atrás do objectivo sempre proclamado de uma «Europa federalizante cada vez mais unida», como se desdobra agora em cinco cenários pouco ou nada inspirados para a evolução da UE. O primeiro é «continuar como até agora», ou seja, a paralisia perante o risco de desintegração da União. Voluntariamente ou não, é como se Juncker lançasse a esponja ao chão, obrigando-nos a pensar naquilo que europeístas a cem-por-cento como eu sempre quisemos considerar impensável. Outra alternativa de teor ainda inferior seria, segundo ele, «nada mais fazer do que o mercado único»; outra ainda que franqueia o caminho à Europa a várias velocidades seria a de «aqueles que querem fazer mais fariam mais»; uma quarta proposta porventura mais crível mas igualmente redutora seria «fazer menos mais eficientemente»; e apenas a última, à partida a menos provável, corresponderia a «fazer muito mais em conjunto».
Subjacente a praticamente todos esses cenários, está a ideia de manter explicitamente uma União a várias velocidades e não só ao desnível já existente entre a zona euro (19 países) e os outros oito países da EU que não aderiram ao euro, seja por recusa de alguns a adoptar a moeda única ou por outros ainda não reunirem condições para isso. O reconhecimento da existência de uma União de «geometria variável», assim como a eventual regovernamentalização de políticas europeias actuais, por exemplo, o reforço das políticas de defesa e segurança por parte de apenas alguns países perante o afastamento da Inglaterra e a ameaça de isolamento dos Estados Unidos, constituiriam sem dúvida o abandono da ideia de uma Europa cada vez mais unida!
Tais alterações são, aliás, admitidas à partida como uma forma de recuo perante a sucessão de vagas nacionalistas em numerosos países, vagas essas que são assim atribuídas à invasão dos poderes nacionais pela proliferação das iniciativas da União, legitimando-se assim implicitamente a revolta dos soberanismos. Segundo algumas das propostas do documento Juncker, muitas das políticas actualmente em curso, como o desenvolvimento regional, a saúde pública, o emprego, a política social e outras, poderiam ser devolvidas aos estados membros, enquanto a UE concentraria a responsabilidade pela concorrência e a supervisão bancária, assim como a inovação e o comércio, com o poder de implementar directamente as eventuais decisões colectivas em nome da união económica.
Todos os comentadores reconhecem que o aparente recuo das propostas de Juncker e – presume-se – da Comissão Europeia acusa a surpresa negativa perante o Brexit e corresponde a uma tentativa de acalmar, por assim dizer, as vagas soberanistas que se levantarão cada vez mais contra o alegado cosmopolitismo da UE, para começar nas importantes eleições deste ano – legislativas holandesas, presidenciais francesas e a terminar legislativas alemãs – todas elas marcadas já por fragmentações e recolocações partidárias inéditas! Na realidade, o que isto quer dizer é que o discurso – mas também a prática – da Comissão e da generalidade dos países da UE serão, durante o ano em curso, serão da maior prudência e acenarão porventura à renacionalização de algumas das políticas mais contestadas. No caso de Portugal, tendências destas só podem ser perniciosas e entregar os partidos políticos ao populismo anti-europeu e, na realidade, de duvidosa democraticidade, como aliás já se sente nitidamente no país!
Com a globalização e, na sequência dela, com a crise económico-financeira mundial de 2007 da qual a maioria dos países da UE ainda não recuperou nem é provável que recupere totalmente, por motivos que vão do risco de isolacionismo de determinados países (USA) à concorrência de outros (China, Índia), bem como o facto de a União possuir os padrões mais altos de igualdade, saúde e ambiente, abriu-se no mundo globalizado aquilo a que eu próprio chamei, tentativamente, uma vasta fenda material e ideológica que pôs fim ao anterior consenso geo-político (capítulo 7: «O fim do consenso?).
Esse consenso está muito longe de ter sido substituído por qualquer outro e daí o presente estado de guerra latente e as irrupções de guerra civil não declarada em numerosos países, incluindo a Europa. Previsivelmente, novos partidos e lideranças surgiram mas nenhum traz consigo qualquer novo consenso; antes pelo contrário. Neste sentido, um documento como o de Juncker também não contribui para nada de novo e limita-se a ganhar tempo perante os inexoráveis conflitos.