O número médio de anos que as principais empresas tecnológicas globais conseguem reter os seus colaboradores é assustadoramente baixo. A quem assacar o ónus relativo a estes baixos números? Assumindo, obviamente, que se quer um tempo ligeiramente mais alargado e não mais baixo ainda, a responsabilidade provém de onde? Das empresas? Dos profissionais? De uma nova geração com idades e pensamento diverso? Do contexto? De quê efetivamente?
A explicação talvez possa ser mais simples do que parece, digo eu. À medida que investimos em literacia global (qualitativa e quantitativa), em elevar as taxas de penetração dos vários níveis de ensino, que procuramos maior comprometimento do capital humano e mitigação de gaps de género, desemprego e/ou subemprego, à medida que aumentamos a qualidade global da oferta educativa, dos sistemas formais educacionais ou instrutivos, à medida que as pessoas que participam nas empresas apresentam mais skills – no geral – e que sobe a sua qualidade média para atender a uma cada vez maior complexidade, parece natural, quase consequente, que se estão a fazer crescer expetativas nessas mesmas pessoas.
Ora, para gerir expetativas de pessoas com mais skills e sequiosas de desafios e de experiências, curiosamente ou não, as empresas devem comportar-se como capazes de o fazer. São-no? Talvez essa seja a questão.
Mais ainda porque hoje não conta tanto – ou tão-só – o salário real como conta, talvez até mais, o salário psicológico, a experiência, a aprendizagem, o desafio.
Ora aqui surge a grande questão. Polémica, é certo, mas a grande questão. As universidades estão a conseguir proporcionar, hoje em dia, um package talvez mais interessante – pelas múltiplas experiências que oferecem – do que propriamente o package das empresas como lugares/ambientes de eleição para desenvolvimento de talento e de pessoas. Remuneração psicológica, remuneração experiencial, remuneração crescimento e desenvolvimento estão hoje nas universidades. Ouve-se hoje o que há 20 anos era impensável: muitos alunos, massivamente, a dizer que por eles ficavam mais tempo nesta construção que lhes proporciona a universidade. Além de todos os outros – já fora da universidade e a trabalhar em empresas – que, no fundo no fundo, gostariam de ter na universidade uma oportunidade de desenvolvimento das suas carreiras – se isso existe!
Já lá vai o tempo do desistente da universidade para se dedicar à tecnologia. E que tão bons resultados e empresas deu ao mundo. A verdade é que hoje há muitas empresas a nascerem nas e com as universidades – que propiciam laboratórios e ninhos e incubadoras empresariais, verdadeiras experiências empreendedoras mas, e também, muito para além disso. E o para além disso é todo um mundo de experiências que as empresas não estão a conseguir oferecer hoje.
Um conjunto de cérebros juntos interessante, um combinado de desafios, um processo de co-criação, uma competição e colaboração – pinceladas por ambientes reais – que fazem toda a diferença. Longe vão os tempos onde era só simulação nas universidades (a maioria dela a lápis e papel). A simulação faz-se hoje com a realidade – em que as empresas são uma das partes, não única, dessa realidade. Há todo um outro contexto social, político, económico, tecnológico, ambiental, de responsabilidade social, entre vários, que hoje é possível nas universidades e, talvez não tanto, nas empresas.
Isto significa, tão-só, que (minha opinião) o paradigma está a mudar. Quase desde sempre, os alunos queriam sair rápido e ir ganhar dinheiro e fazer coisas diferentes fora das universidades, exercer uma profissão e fugir dos ambientes artificiais que as universidades lhes proporcionavam. Queriam ser livres, ao menos financeiramente. Hoje, a universidade pode oferecer-lhes essa liberdade financeira e muito mais: experiências, desafios, construção, remuneração psicológica sem artificialidade – e um sem número mais de dimensões. A universidade, de tanto ser chamada a atenção relativamente à distância que tinha para as empresas, que vivia longe, que era demasiado formal, que não tratava problemas reais, acabou por dar a volta por cima. Consegue propiciar hoje oportunidades, de forma integrada, que deveriam estar também do lado das empresas.
Assim, é frequente ver alunos e profissionais das empresas a olharem para as universidades como um local de eleição para trabalhar. Viver uma sala de aula, um corredor da faculdade, participar num concurso, num desafio, ser submetido a provas, entrar num bootcamp, fazer parte de um projeto social, viajar para aprender – são tudo empreitadas exigentes e que mimetizam o mundo real. E também o das empresas. Mas não só. O mundo da universidade é talvez hoje bastante mais completo e rico que o mundo das empresas.
Ao contrário, talvez as empresas não estejam a saber incorporar desafios e apresentem, antes, rotinas. Salários que não são capazes de diferenciar o desempenho como o fazem as notas, os desafios, os feedbacks, os pitch que se têm de fazer nas universidades. As empresas continuam demasiado estratificadas – defeito que se apontava às universidades há não muitos anos. A distância ao poder, nas empresas, continua – muito possivelmente – a ferir o talento, enquanto tal. A possibilidade de participar – efetivamente – não se joga tanto, nem tão-só, dentro das quatro paredes de um escritório, por mais mesas de ping-pong que se coloquem nele ou por mais flippers que se ofereçam aos colaboradores para que se entretenham a um canto.
Passar hoje num corredor de uma universidade é, só por si, uma experiência. Falam-se as línguas todas do mundo, veste-se de todas as maneiras e feitios, têm-se hábitos tão diferenciados, comem-se as mais diversas comidas, trabalha-se em grupos de pessoas culturalmente tão diferente. Não, não é apenas a herança do mundo universitário anglo-saxónico que sempre foi fascinante. É muito mais que isso. As universidades são hoje repositórios dos vários países, culturas, geografias, sistemas económicos, sociais e políticos dos vários cantos do globo.
As taxas de desistência em programas de licenciatura, mestrado e doutoramento nunca foram tão baixas. Nunca houve tanta apetência por “estar ou voltar aos bancos da escola”, de que forma seja – veja-se a pujança da formação executiva ou do prosseguir estudos para doutoramento. Nunca houve tanta vontade de não sair da própria universidade. As pessoas procuram nas universidades, e encontram, ambientes reais e férteis para progredir, crescer e se desenvolverem, não só em termos de conhecimento, estrito senso, mas também em termos de experiências variadas.
A média de permanência (por baixo) de um jovem universitário na universidade, qualquer que seja, anda à volta dos 5,5 anos com licenciatura e mestrado ou mestrado integrado (retenção das universidades). A média de retenção das empresas tecnológicas, para efeitos de comparação, faz-nos pensar: Facebook: 2,02 anos; Google: 1,90 anos; Oracle: 1,89 anos; Apple: 1,85 anos; Amazon: 1,84 anos; Twitter: 1,83 anos; Microsoft: 1,81 anos; Airbnb: 1,64 anos; Snap Inc.: 1,62 anos e Uber: 1,23 anos.
Muitas outras conclusões haverá para além de uma justificação relativamente simples no que concerne ao efeito experiência. Os números revelam, porém, uma realidade que se torna talvez desconcertante. E isto é o mínimo que se pode dizer do fenómeno. Mas há, felizmente, soluções para isto. E, contrariamente ao que era dito no passado, essas soluções estão mais do lado das universidades do que do lado das empresas.
Professor Catedrático, NOVA SBE – Nova School of Business and Economics, crespo.carvalho@novasbe.pt