Alguns políticos afirmam ser contra o sistema e dizem que os portugueses estão fartos do sistema. Mas, afinal, o que é o sistema?
Quando se trata de um populista, o sistema pode ser o regime democrático ou o funcionamento desse regime. E se o regime não deve ser posto em causa, o seu funcionamento pode, e deve, ser melhorado.
Vamos aproveitar o futebol – tão utilizado como metáfora em política – para refletir sobre o que significa ser anti-sistema em democracia.
No futebol o sistema (tático) indica o posicionamento dos jogadores em campo. Esse posicionamento afeta o equilíbrio entre setores (defesa, meio-campo, ataque) e exige que os jogadores desempenhem diferentes funções.
Usemos a imaginação de um treinador para lançarmos os protagonistas do futebol para dentro do campo da política portuguesa.
Precisamos, desde logo, de um guarda-redes que cumpra quando é chamado a intervir (Presidente). Depois necessitamos de defesas para recuperar o controlo da bola (cidadãos), médios para levar a bola para o ataque (Parlamento) e avançados para decidir com golos (Governo). Por fim, é essencial haver árbitros para garantir o cumprimento das regras do jogo (tribunais).
Com esta imagem facilmente percebemos que na política, tal como no futebol, todos os que estão em campo são imprescindíveis para alcançarmos bons resultados.
Continuemos no futebol. Se a seleção nacional não tivesse bons resultados jogando em 4-3-3 (4 defesas, 3 médios, 3 avançados), seria natural pensarmos em mudar o sistema (tático) para um 4-4-2 ou outro. Mas isso significaria melhores resultados?
Nem sempre melhorar os resultados implica mudar o sistema. Por vezes, é suficiente escolher outros jogadores ou fazer ajustes no seu posicionamento.
É ainda possível fazer uma alteração mais profunda: a da ideia de jogo. Aqui escolhemos princípios de jogo, visões e convicções alternativas sobre como obter melhores resultados (privilegiar o ataque posicional ou o contra-ataque, fazer pressão alta ou controlar a profundidade, etc.).
No futebol, podemos manter o sistema (tático) e melhorar o seu funcionamento com outros jogadores ou uma nova ideia de jogo. E na política?
Na política existem vários sistemas (de governo). No sistema parlamentarista o Parlamento tem mais poder, com o partido ou partidos mais representados a formar Governo. No sistema presidencialista é o Presidente quem tem mais poder, sendo responsável por formar e liderar o Governo. Em Portugal, temos um sistema semipresidencialista, em que o Presidente, tendo em conta os resultados eleitorais e a vontade dos partidos no Parlamento, nomeia o Primeiro-Ministro que vai formar e liderar o Governo.
Sendo, em teoria, legítimo mudar o sistema (de Governo), nenhuma mudança pode colocar em causa o regime democrático.
Acontece ,que quando se fala em sistema poucos pensam no semipresidencialismo português, nem tão-pouco no sistema eleitoral, no sistema económico, ou na organização territorial do Estado.
Quando, em termos populistas, é usada a palavra sistema, pensamos, em primeiro lugar, no regime democrático e no funcionamento das suas instituições.
Dir-me-ão que o sistema (o regime democrático) tem problemas de funcionamento e que apresenta alguns resultados que não são socialmente desejáveis. Podemos, e devemos, fazer esse debate e procurar soluções.
O que não devemos fazer, é rejeitar o regime democrático e, sobretudo, fazê-lo sem compreender as implicações.
No atual contexto político, em que a legitimidade da democracia representativa é questionada, ser anti-sistema significa colocar em causa eleições livres e justas, a separação de poderes e direitos e liberdades fundamentais. É por isso necessário manter e apoiar este sistema.
E sim, também na política é possível manter o sistema (o regime democrático) e melhorar o seu funcionamento.
Na política, além da participação cívica no dia-a-dia, o principal mecanismo de transformação é a mobilização popular e o voto, influenciando a escolha dos jogadores e da ideia de jogo.
Apesar da perceção pública de que “são todos iguais”, na verdade os partidos e os políticos defendem prioridades diferentes e apresentam propostas alternativas, desde logo no papel mais ou menos interventivo do Estado. Assim, as eleições permitem obter outros resultados dentro do mesmo sistema.
O único limite para a mudança é a própria democracia, expressa na Constituição da República Portuguesa. Quer isto dizer que as regras do jogo devem ser protegidas e apenas melhoradas de forma gradual, com amplo consenso político e social.
A este respeito, o projeto populista de André Ventura, que consiste em mudar o sistema “por dentro” para uma IV República Presidencialista, eliminando a mediação do Parlamento, é um limite que não devemos ultrapassar.
A ideia populista de fazer jogo direto entre cidadãos e Governo, metendo a bola na área adversária de qualquer forma, além de diminuir a qualidade do jogo, é perigosa para a democracia e tem de ser denunciada.
No futebol precisamos sempre de guarda-redes, defesas, médios e avançados. Sem jogadores para estas posições, ou sem árbitros, dificilmente continuaríamos a falar em futebol, seria outro desporto.
De forma análoga, na política, instituições como o Parlamento, que levam até ao Governo as diferentes ideias de jogo presentes na sociedade, não podem ser dispensadas sem consequências negativas para a democracia.
A eleição do Presidente da República, no caso português, é particularmente relevante para garantir o “regular funcionamento das instituições democráticas”. Por isso, no dia 24 de janeiro, também está em jogo o sistema.