No dia 15 de Dezembro o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida decidirá sobre o primeiro pedido de autorização para a celebração de um contrato de barriga de aluguer em Portugal.

O tema é, pelas complexas circunstâncias que o envolvem, da maior sensibilidade, razão pela qual expresso toda a minha compreensão e total solidariedade para com os casais que por motivos clínicos não têm a possibilidade de ter filhos. No entanto, tanto o maior respeito que merecem os interesses desses casais como a louvável vontade de serem pais não nos devem coibir de analisar as recentes alterações legislativas que originam esta nova realidade.

Antes de procedermos a essa análise importa esclarecer uma ideia: o ordenamento jurídico não consagra o direito a ser pai ou mãe. O bem a proteger deve ser sempre o superior interesse da criança.

A possibilidade de celebrar um contrato de barriga de aluguer suscita inúmeras apreensões, entre essas a mais alarmante é a desumanização da pessoa. O princípio da humanidade de Kant defende que a pessoa humana deve ser sempre um fim em si mesma e nunca um meio. A pessoa como um meio não se coaduna com a sua intrínseca dignidade.

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Ora, esse princípio não é respeitado pela celebração de um contrato de barriga de aluguer, na medida em que tanto a gestante de substituição, isto é, a mulher que aluga a sua barriga, como a criança acabam por ser um meio para a realização do fim designado pelo casal beneficiário: serem pais. Não é aceitável que uma mulher transporte durante 9 meses uma criança que nasce com duas mães, sendo separada à nascença da única pessoa que conheceu até esse momento.

A desumanização ganha outra proporção com o risco de celebração de contratos de carácter oneroso. Não obstante a lei ser clara em proibir expressamente o pagamento do serviço às mulheres que aluguem a sua barriga, prevendo mesmo punições para quem o fizer, parece claro que a aprovação desta lei vem originar um inaceitável risco de no futuro serem celebrados contratos de barriga de aluguer no papel gratuitos e na prática pagos. Não tendo o Estado qualquer hipótese de proceder a essa fiscalização, poderemos estar perante o maior embuste legislativo de que há memória. Se não há almoços grátis imagino que filhos também não.

Desde 1761, ano em que se aboliu a escravatura em Portugal, que não se compram pessoas no nosso país, no entanto, e ainda que a lei o proíba, com a legalização das barrigas de aluguer corremos o intolerável risco de a pessoa humana voltar a ser um bem transacionável. Num estado de direito democrático, os filhos nunca poderão ser um bem suscetível de apropriação e as mulheres nunca poderão ser meros meios de produção.

Este é um risco que não se colocaria caso as barrigas de aluguer, ainda que gratuitas, não fossem permitidas.

Importa ainda ter em conta que a aprovação do projecto de lei do Bloco de Esquerda para as barrigas de aluguer representa mais uma etapa da campanha da ideologia do género que tem vindo a ser implementada em Portugal. Neste caso manifesta-se de duas formas: por um lado através da alteração da realidade e do controlo da linguagem, ao substituir a expressão “maternidade de substituição” por “gestação de substituição”, procurando passar a ideia de que uma mulher que carregue uma criança no seu ventre 9 meses não é sua mãe mas uma mera gestante. Por outro lado, tentando propagar a ideia de que o corpo não faz parte integrante da mulher mas que se trata apenas de uma coisa de que esta é proprietária e pode dispor.

A lei das barrigas de aluguer deve ainda despertar a nossa atenção em muitos outros pontos, entre os quais prever um alçapão legislativo que permite a proliferação de uma técnica que supostamente será de utilização excecional, recorrendo para tal a um conceito indeterminado. Isto é, uma expressão genérica — “ou em situações clínicas que o justifiquem” — em que cabe qualquer situação e o seu contrário.

Outro aspecto na lei que deve gerar apreensão é o facto de a mãe de gestação não poder revogar o seu consentimento a partir do momento em que se iniciem os procedimentos médicos com vista à gravidez. Contudo, poderá livremente, até às 10 semanas de gravidez, escolher fazer um aborto. Para onde caminha a sociedade quando a lei não permite que uma mãe se arrependa e assuma como seu o filho que carrega no ventre mas conceda um prazo de 10 semanas para decidir sobre a vida da criança?

Até no que concerne à sua aprovação a lei das barrigas de aluguer deixa muito a desejar, tendo sido aprovada em contradição com o parecer negativo do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (Parecer 87/CNEV/2016) que “não considera justificável, do ponto de vista ético, a alteração do regime jurídico da gestação de substituição”. É ainda interessante notar que Portugal é pioneiro na aprovação da gestação de substituição que foi condenada pela Resolução do Parlamento Europeu 2015/2229, aprovada por 421 votos a favor, 86 contra e 116 abstenções.

Não posso concluir a análise da aprovação desta lei sem louvar a posição do PCP que votou contra a proposta de lei, ao contrário de 24 deputados do PSD que se juntaram ao PS, BE, PEV e PAN, viabilizando a aprovação deste embuste legislativo. É importante que fique claro que a aprovação da lei das barrigas de aluguer só foi possível graças à ala liberal do PSD.

Termino com o desejo de ver a Assembleia da República mais preocupada em melhorar as condições de vida dos portugueses, permitindo uma parentalidade mais jovem, quando grande parte dos problemas de esterilidade têm origem na procura tardia da maternidade, ao invés de assentir ao progresso pelo progresso, aprovando um retrocesso civilizacional, que o Bloco de Esquerda promove, de causa fracturante em causa fracturante, que levanta orgulhosamente como única bandeirinha.

Advogado e membro da Direcção da Associação dos Juristas Católicos