Há umas semanas, um jornal da área económica avançava com um artigo sobre porque crescia pouco a economia portuguesa, lançando o tradicional diagnóstico da falta de qualificações e da dívida. Confesso que fiquei bastante admirado. Primeiro porque quem está habituado a lidar com a exportação de serviços sabe que a falta de qualificação dos portugueses é uma falsa questão porque não só o trabalho dos portugueses se vende como nunca, como também diversas megaempresas europeias estão a mudar para cá os seus serviços mais sofisticados. E, depois, se a dívida fosse um problema para o país, a balança de transações correntes refletia isso, mas o saldo positivo das nossas trocas compensa largamente o financiamento das atividades do país. Estariam os articulistas a confundir a República Portuguesa com Portugal?
Os números da economia portuguesa (trabalhados a partir de dados do Pordata), na parte em que interessa, são bastante lisonjeiros. Se olharmos desde o ano 2000, as exportações portuguesas cresceram ao ritmo de 4,5% ao ano enquanto as importações cresceram apenas a 2,2% ao ano, em média. Este último número é muito interessante pelo facto de ser próximo da inflação na zona Euro, o que significa que, em termos de valor, as importações pouco se alteraram no número global.
Claro que o cenário antes de 2008 é completamente diferente do cenário pós-2008, melhorámos muito, mas isso faz parte do jogo. Bastante mais interessante é quando olhamos para a exportação de serviços, isto é, não é vinho, não é azeite, nem são pasteis de nata. É o produto de massa cinzenta, de trabalho direto para satisfazer as necessidades dos nossos parceiros comerciais. Aqui, com algum orgulho pessoal à mistura, crescemos neste século a 6,2% ao ano. Atendendo que a indústria de call centres não tem em Portugal a expressão que tem noutras zonas do globo, digamos que o argumento da falta de qualificação me parece disparatado. Analisando com mais detalhe, se virmos como as exportações têm evoluído com a população ativa, concluímos que os portugueses são cada vez mais produtivos no que à produção de valor reconhecido no estrangeiro diz respeito. Se, em média, no início do século cada trabalhador “vendia” 7 mil euros pela fronteira fora, o ano passado estava a vender quase 17 mil. A evolução em serviços passou de cerca de 2 mil euros para mais de 5 mil. Ou seja, vendo Portugal de fora, este crescimento parece tudo menos problemático.
Vejamos os números noutra economia onde “vivo”(trabalhados a partir de dados do Office for National Statistics), o Reino Unido. No mesmo período, as exportações crescem com um ritmo semelhante ao português, sendo que as importações crescem ao mesmo ritmo das exportações, com a balança de transações correntes bastante negativa. Curioso também é vermos quanto é vendido para o exterior por trabalhador e os britânicos passam de 9 mil libras para 17 mil, um crescimento percentual inferior ao nosso.
O que nos dizem estes números de comércio externo? Que o nosso problema, quando comparado com uma das maiores economias do mundo, não é assim tão mau; que as nossas qualificações quando comparadas com um dos dois países com universidades no top 10 do mundo não são assim tão baixas; e que a nossa dívida, quando comparada com o centro da finança mundial, até nem está particularmente desajustada.
Mas estou a dizer que a nossa economia não tem problemas? Tem, mas a causa desses problemas está de Badajoz para cá e é de Badajoz para cá que tem que ser olhada, em vez de recorrermos às habituais causas genéricas e patetas que não têm solução possível.
Vamos então fazer uma sessão de raciocínio conjunto. Vamos pôr a hipótese de que os portugueses não gostam de consumir português como os estrangeiros gostam. Só gostam de consumir “estrangeiro” porque é fino. Nesse caso, as importações revelavam números completamente diferentes e não a estagnação prática que mostram. Do ponto de vista teórico, isto nem faz qualquer sentido porque a economia portuguesa é aberta e existe um fenómeno de termalização que faz com que o tipo de consumo se vá equalizando com as economias que nos rodeiam.
E, também, vamos eliminar as hipóteses idiotas de há uns anos que diziam que as exportações aumentavam por causa do ouro penhorado por hordas de gente faminta em desespero, ou por intermediação oportunista de petróleo, ou coisas similares. Não só porque são idiotas por natureza, mas porque são incompatíveis com os números de cima.
Chegámos ao ponto em que não existe uma razão económica para a nossa pobre economia, no sentido em que aquilo que depende da livre vontade de consumir, dos portugueses ou dos estrangeiros, não se apresenta como causa, pelo contrário. E, com isso, chegamos ao “detalhe” que interessa, aquele que é exclusivamente interno e cujo consumo não é livre. Aquela área do país que vive permanentemente deficitária apesar dos seus custos exorbitantes e cuja dívida é mundialmente famosa: a República Portuguesa. Claro que não podemos separar as qualificações dos portugueses do Estado, nem a saúde, nem a segurança dos turistas, etc. Isto é, em termos analíticos, é impossível separar os números de Portugal, o país, e da República Portuguesa, o Estado. Mas é no Estado português que está o problema. O que, em si mesmo, são excelentes notícias porque significa que resolvê-lo só depende de nós. E, como não é um problema económico na sua natureza, a sua solução é meramente administrativa. É escrever e fazer cumprir o escrito.
Mas aumentar salários, regalias e, ao mesmo tempo, reduzir o horário de trabalho e dar feriados por tudo e por nada (como fechar as escolas públicas na véspera da visita do Papa, enquanto as escolas católicas se mantiveram abertas) não são medidas no sentido correto. São os escritos errados. E isto não é uma questão de opinião, é assim. E pouco interessa o resultado expresso na contabilidade mais ou menos criativa que é produzida pelos oficiais da república. Os balanços externos são como o algodão, não enganam e não são sujeitos a milagres. É claro que isto destrói parte daquilo que tanto nos custa a conquistar mas, mais uma vez, boas notícias, corrige-se!
Porque cresce tanto a economia portuguesa, então? Porque, felizmente, e como sabemos há centenas de anos, Portugal é habitado por gente excelente, trabalhadora e qualificada que, por enquanto e há umas décadas, está com dificuldades em resolver o seu problema de coexistência. E isto é bom porque aquilo que é imutável, aquilo que não depende do tempo, tem uma qualidade única e são os outros que nos mostram isso. O resto é conjuntura, resolve-se!
PhD em Física, Co-Fundador e Partner da Closer