Podemos começar por dizer que o problema reside num desencontro de linguagens entre os meios de comunicação social e a instituição laical Opus Dei. Não é fácil traduzir em termos jornalísticos a experiência de vida no interno da Prelatura da Santa Cruz «e» Opus Dei. Só a partir da vivência interna, de um contacto habitual com a instituição, se pode explicar com fundamento o que é essa realidade. A controvérsia, interna e externa, baseia-se no reconhecimento jurídico-canónico de que o movimento laical Opus Dei é uma Prelatura pessoal, de âmbito internacional, não territorial. É, por definição, uma circunscrição eclesiástica. Neste sentido, começamos a perceber e a delinear o problema.

Nas recentes ordenações sacerdotais de vinte e quatro membros da Prelatura, em Roma, o Bispo que presidiu à celebração, Mons. Ricardo García, da Prelatura de Yauyos-Cañete-Huarochirí (Peru), afirmou: «A força da Páscoa mudou para sempre o curso da história e deu início a uma cadeia ininterrupta de pessoas – começando pelas santas mulheres e os apóstolos – que estenderiam por toda a parte a boa notícia de que Jesus vive». Este excerto da homilia, de D. Ricardo García, segue a mesma lógica das palavras de Bento XVI, proferidas na Vigília Pascal de 2012: «A Páscoa é a festa de uma nova criação. Jesus ressuscitou e nunca mais morre. Arrombou a porta que dá para uma nova vida, que já não conhece doença nem morte. Assumiu o homem no próprio Deus. (…) Abriu-se uma nova dimensão para o homem. A criação tornou-se maior e mais vasta».

Podemos afirmar que estas palavras são o ponto de partida para quem quiser compreender a espiritualidade específica do Opus Dei; ou seja, o despertar universal de todos os cristãos para a força do Baptismo unida à missão. Numa audiência geral do Papa Bento XVI (27 de Abril de 2011), sobre o sentido da Páscoa na vida dos cristãos, ele explica-o deste modo: «Os cristãos são chamados a dar uma forma “pascal” à sua existência, vivendo como homens novos no coração da cidade terrena». Dar forma pascal à existência é, portanto, o núcleo da formação que os membros do Opus Dei recebem no interno da instituição: círculo (catequese) semanal, recoleção trimestral, retiro anual, semanas de estudo anual, direcção espiritual, triénio de curso de estudos intensivos, etc. O fundador do Opus Dei acreditava que através desta formação integral dos cristãos surgiria uma nova Humanidade. A visão integral do humano reflectir-se-ia na sociedade, na família, na cultura, política, economia, educação, saúde; precisamente, os campos da acção apostólica da Prelatura – o mundo. A identidade pascal exige uma renovação total de linguagens.

De facto, a admissão ao Opus Dei implica compreender e, sobretudo, viver de acordo com este novo Humanismo, tal como os primeiros cristãos. É preciso dar testemunho pascal da nova criação, do novo céu e da nova terra (Ap 21, 1), inseridos ainda na antiga criação: estar no mundo sem ser mundanos. Trata-se de uma realidade ontológica-escatológica, estruturante do modo de ser cristão, pela configuração a Jesus Cristo que é a forma pascal por excelência. Contudo, vários testemunhos de membros do Opus Dei revelam que nem todos os que são admitidos compreendem isto, com a necessária profundidade e radicalidade. Também, porque se verifica uma deficiente articulação interna da espiritualidade específica, que une sacerdotes e leigos. O problema reside na dificuldade em articular o carácter institucional – que circunscreve – com a forma livre da acção do Espírito do ressuscitado – que expande. É neste sentido que se dá o paradoxo, muitos que acreditam ter vocação ao Opus Dei são impedidos de viver essa mesma vocação. Desde os primeiros séculos da era cristã que se verifica este conflito entre unidade e pluralidade, origem de muitos Cismas na Igreja.

Ser «sal da terra e luz do mundo» (Mt, 13-15) entra em rota de colisão com a imagem hierárquica e de poder, que algumas reportagens sobre o Opus Dei transmitem no espaço público, facilitadas por uma certa condescendência interna da Prelatura. Para combater esta falsa imagem de poder, que se transmite também no interno da Igreja, o Papa Francisco está a conduzir a bom termo a reforma da Cúria Romana. Esta reforma atinge o enquadramento das prelaturas pessoais, modifica o modo de compreender o Opus Dei na Igreja. O Papa anunciou um Consistório extraordinário, em Agosto, que reúne todos os cardeais do mundo, com a finalidade de eleger novos cardeais e debater a nova Constituição Apostólica «Praedicate Evangelium», centrada na reforma. Este Consistório integra-se totalmente na dinâmica da sinodalidade.

Avizinham-se tempos muito difíceis e conturbado para a Humanidade, para os quais S. Josemaría alertou e quis preparar os cristãos leigos a nível mundial. Contudo, a reforma da Cúria mostra que o carisma fundacional do Opus Dei está mais que aceite pelos diversos Pontífices, desde o Concílio Vaticano II. Agora o Papa assume as rédeas. As mudanças no âmbito jurídico e canónico referem-se apenas a uma melhor expressão e visibilidade da forma pascal cristã. O crescimento e a maturidade da vida espiritual, em cada baptizado, prepara-os para enfrentar um mundo gerido assustadoramente pela inteligência artificial e configurado no metaverso: nada mais do que a realidade psíquica expandida. São, portanto, níveis diferentes de realidade. A garantia é de que a nova criação não permite a reprodução nem de clonos nem de avatares, engana-se quem pensa que a mediação para o mundo novo, com um novo estado da matéria, se faz através do poder tecnológico desmedido. Pelo contrário, o mundo novo é a forma pascal, em acto, que não admite nenhum tipo de reprodução nem de manipulação. É a originalidade em estado puro!

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