O ano de 2022, foi um ano com bons resultados macroeconómicos. O forte crescimento económico de 6,7% e a queda do peso da dívida para 113,8% do PIB são bons resultados. Numa altura em que a maior parte da população sofre uma significativa perda de poder de compra e é afetada por greves e falhas no fornecimento de serviços essenciais nas áreas da educação, da saúde e dos transportes, pode parecer estranho falar de boas notícias na economia portuguesa. No entanto, objetivamente, os dados macroeconómicos de 2022 são muito positivos. O facto de grande parte da população não sentir qualquer benefício daqueles resultados é explicado pelo bem conhecido problema das médias: quando alguém come um frango e outro alguém não come nada, em média cada um comeu meio frango. Uma boa parte da desigualdade na distribuição dos bons resultados macroeconómicos deveu-se à inflação, que afetou mais as pessoas de rendimentos mais baixos. O Governo aproveitou a inflação para reduzir a dívida pública, mas não foi capaz de responder aos problemas nos setores da educação e da saúde e de propor políticas de redistribuição eficazes que protegessem os mais desfavorecidos.
Outra parte do problema da distribuição desigual dos benefícios, que se acentuou muito em 2022, deveu-se ao facto de estarmos a viver um longo período de aumentos dos preços da habitação. O aumento dos preços da habitação afeta a população de forma muito desigual. Os proprietários veem as suas habitações valorizadas. A população que procura uma habitação tem mais dificuldade ou fica mesmo excluída do acesso a uma residência a preços compatíveis com os seus salários.
O problema da habitação, como já defendi noutros artigos aqui no Observador, é um problema bom. Há mais pessoas que querem vir passar férias a Portugal ou que querem vir trabalhar e viver para Portugal. Esta é uma ótima notícia num país com uma dinâmica demográfica muito negativa, em rápido envelhecimento, com regiões crescentemente desertificadas e que precisa de atrair imigrantes. No entanto, é necessário tomar medidas que favoreçam o aumento da oferta pública e privada de habitação.
Voltando às boas notícias macroeconómicas de 2022. A melhor notícia macroeconómica de 2022 foi o extraordinário desempenho das exportações. As exportações de bens e serviços cresceram, em termos nominais, 34% e 28% relativamente a 2021 e a 2019, respetivamente. O crescimento das exportações de bens foi de 22% face a 2021 (31% face a 2019). O crescimento das exportações de serviços, onde se destacou o turismo, foi de 60% face a 2021, um ano ainda muito afetado pela pandemia Covid-19, e de 24% face a 2019. O excecional desempenho das exportações resultou no aumento do peso das exportações no PIB de 44% em 2019 para 50% em 2022 – ver Figura com dados da Pordata/INE.
Se analisarmos os dados da Figura podemos ver que, entre 1996 e 2005, o peso das exportações no PIB se manteve bastante estável. O fraco desempenho das exportações refletiu, por um lado, um contexto externo mais competitivo com a entrada da China e dos países do Leste Europeu no comércio global e, por outro lado, o falhanço das políticas económicas de Portugal, que continuaram a favorecer a procura interna em vez de fortalecerem a competitividade da economia portuguesa. Um recente artigo de João Amador, Ana Fernandes e Guida Nogueira, que propõe um indicador de competitividade para a economia portuguesa, mostra que apesar da recuperação nos últimos anos, em 2020 Portugal se encontrava numa posição semelhante à que tinha em 1995.
De facto, na década de 1990 e na primeira década dos anos 2000, Portugal não percebeu as mudanças que estavam a ocorrer no mundo. Não percebeu o impacto do fim da União Soviética. Não percebeu o impacto da aceleração da globalização e das mudanças tecnológicas. Não percebeu o impacto da criação do euro. Essas incompreensões explicam em grande medida os erros de política económica que haviam de nos levar à crise financeira e ao resgate pela troika.
O desenvolvimento e o crescimento da economia portuguesa passarão sempre por uma maior participação no comércio internacional. Os períodos de maior transformação e crescimento da economia portuguesa estiveram sempre associados à abertura ao exterior. Foi assim com os Descobrimentos, foi assim com a adesão à EFTA nos anos 60, foi assim com a adesão à Comunidade Económica Europeia nos anos 80. O grande aumento das exportações sugere que pode estar a acontecer novamente.
A maior mudança estrutural na economia portuguesa na última década foi o aumento do peso das exportações no PIB e o reequilíbrio da balança comercial. Durante os anos da intervenção da troika, as empresas exportadoras e o sector do turismo foram essenciais para a recuperação. Entre 2010 e 2013, o peso das exportações no PIB aumentou de 30% para 40%, tendo estabilizado nesse valor até 2016. Nos anos seguintes, voltou a aumentar para atingir 44% em 2019. O salto para 50% em 2022, representa um novo patamar para a economia portuguesa. E como vimos acima, esse aumento não se deveu apenas ao turismo. Também as exportações de bens tiveram um excelente desempenho.
Não podemos dissociar o crescimento das exportações e da maior abertura da economia portuguesa à economia global, visível na capacidade de atrair pessoas de todo o mundo, das pressões no mercado da habitação. Durante anos, lamentámos a falta de capacidade de atração de trabalhadores qualificados e a saída dos nossos jovens mais qualificados. Podemos estar a viver um momento de viragem na economia portuguesa. Seria imperdoável se mais uma vez não percebêssemos a mudança e deixássemos escapar as vantagens de uma maior abertura ao exterior por não termos as políticas adequadas para respondermos aos desafios que esta mudança traz ao mercado da habitação e aos serviços públicos em geral.