A viragem do segundo milénio após o nascimento de Cristo trouxe a Portugal um período de prodigiosa estagnação económica para o qual parece não haver solução. A nação, que no passado cruzou oceanos em robustas caravelas e naus, vê agora a sua economia assemelhar-se a uma pequena embarcação ao sabor das marés da economia mundial. Naturalmente, num contexto de grande globalização é praticamente inevitável a um país de reduzida dimensão evitar os efeitos expansivos ou recessivos do contexto internacional. Todavia, a nossa pequena economia é das primeiras a ser arrastada por correntes desfavoráveis e das que mais dificuldade tem em aproveitar, de forma eficaz, os ventos de bonança, acabando por se deixar arrastar de forma passiva.

Para esta metáfora marítima ficar completa, basta apenas explicar que, nos últimos 20 anos, por entre avanços e recuos, a pequena embarcação não sai do lugar. Como resultado mais imediato surge a paulatina ultrapassagem que outros países têm feito a Portugal no tocante ao rendimento médio por habitante, motivo de ampla frustração para muitos Portugueses. Frustração essa, que é agudizada por sucessivas promessas goradas de um futuro melhor a cada crise que se vai sucedendo – e que infelizmente não têm sido poucas. Esta inevitável cadência parece evidenciar traços de fatalidade, ou não fosse esse o mote da nossa típica canção – elevada a Património Imaterial e Cultural da Humanidade pela UNESCO.

O nosso fado – leia-se destino – regista algumas semelhanças com um episódio da mitologia grega conhecido como O Mito de Sísifo. A lenda conta-nos que Sísifo era um ser mortal que tentou enganar os deuses e escapar à morte, recebendo uma punição severa por isso. A sua condenação consistia em empurrar uma pesada pedra até ao cimo de um monte. Não fosse esta tarefa árdua bastante, sempre que Sísifo alcançava o topo com a sua pedra, esta escorregava até ao sopé, tendo de recomeçar a sua árdua tarefa novamente. Este ciclo infernal repetir-se-ia para toda a eternidade, não havendo nada que o pobre Sísifo pudesse fazer para o evitar. Afinal, os deuses queriam castigá-lo de forma severa e encontraram no trabalho árduo, monótono e inconsequente a melhor formar de o fazer.

Este episódio inspirou, entre muitos outros, o virtuoso escritor franco-argelino Albert Camus – Prémio Nobel da Literatura em 1957. O Mito de Sísifo deu o nome a uma obra ensaística enquadrada na Filosofia do Absurdo, tema caro a Camus, debruçando-se sobre a necessidade que o ser humano evidencia de querer encontrar um significado para a vida num mundo caótico e irracional. O tormento de Sísifo é um exemplo perfeito deste conflito, relevando a brutalidade do trabalho sem propósito a que aquele estava condenado de forma perpétua. Camus terminava mesmo a sua reflexão sobre este episódio com a seguinte citação: “É preciso imaginar Sísifo feliz.”

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Analisando os dados do Banco Mundial sobre o Produto Interno Bruto (PIB) por habitante a preços constantes – indicador que ajusta o efeito da inflação – relativos ao nosso país, é possível verificar uma tendência de sobe e desce a partir do ano 2000. Nos anos de 2003, 2009 e 2011 houve reduções no PIB médio por habitante que, tudo somado, levaram a que Portugal tivesse, em 2014, um nível de PIB real médio por habitante semelhante ao do ano 2000. Mesmo tendo em conta o período de crescimento económico que se verificou até 2019, nesse ano o nosso país ocupava a 16ª posição no ranking dos países da Zona Euro – são 19 no total – relativo ao PIB per capita em paridades de poder de compra. Apenas a Letónia, a Eslováquia e a Grécia estavam atrás, ao passo que países como a Lituânia e Estónia já haviam ultrapassado Portugal. Isto demonstra que outros Estados em patamar semelhante de desenvolvimento aproveitaram melhor a recente fase de expansão para desenvolver as suas economias.

Até que chegamos a 2020 e a pandemia de SARS-CoV-2 dá um autêntico safanão no crescimento económico, atirando-o para patamares de 2007 e 2016. Com uma quebra de 7,6% no PIB real, apenas 5 dos 19 países da Zona Euro registaram quebras maiores: Malta, França, Grécia, Itália e Espanha. Para além da óbvia conclusão de que o nosso país se encontra entre os mais afetados pela pandemia, é também visível um padrão de mau desempenho meridional, com os países do Sul claramente em maiores dificuldades. Esse padrão é extensível às previsões quanto ao tempo necessário para que cada país recupere os níveis de PIB per capita pré-pandemia. De acordo com a OCDE, Portugal demorará quase três anos a regressar aos valores de 2019. Tomando como referência a Zona Euro, apenas a Bélgica – três anos – e Espanha três anos e meio – levarão mais tempo. Por outro lado, países como a Lituânia ou a famigerada Irlanda já o lograram conseguir à data de hoje.

Muito já foi escrito em relação às causas que motivam este parco desempenho da nossa economia. Mais surpreendente que debilidade do nosso sistema judicial ou a pujante burocracia das nossas instituições – que tem o condão de servir de desculpa para muitos incómodos – é mesmo o facto de se persistir em estratégias de crescimento comprovadamente erradas. E isso não se deve a limitações cognitivas dos nossos agentes políticos, bem pelo contrário. As políticas que conduzem a este sobe e desce na riqueza gerada em Portugal, voltadas para ganhos imediatos através da distribuição de benesses mal haja uma folga orçamental, têm sido paulatinamente aprovadas pelos eleitores, à exceção de situações limite em que a fragilidade das finanças públicas é indisfarçável. Escusado será dizer que, faltando o incentivo eleitoral, muito raros têm sido os políticos portugueses com uma agenda que exceda o horizonte da sua próxima eleição.

Se a estes ingredientes juntarmos a existência de um Estado anafado que chama a si o protagonismo da decisão económica, está montada a receita – há quem goste de lhe chamar sistema – para garantir a continuidade deste caminho de subidas e descidas que invariavelmente nos traz à casa de partida. Tristemente, parecem restar poucas dúvidas de que o nosso Estado – não o Estado em sentido lato, mas esta estrutura burocrática que se instalou comodamente em Portugal – está exclusivamente focado na sua perpetuação, tal como uma bactéria – e não um vírus, que não é um ser vivo – está programada para sobreviver no organismo que invade. Quando muitas vezes se diz que as pessoas devem ser o centro da ação económica – e isso implica serem protagonistas de facto e não os destinatários da caridade governamental –, pensa-se num palco em que o Estado perderia o seu domínio na esfera económica, coisa que lhe é de pouco interesse. É bem mais fácil camuflar este ímpeto de sobrevivência sob a capa de distribuidor de rendimentos ao povo.

À semelhança das reflexões que Camus lançava a propósito do suplício do pobre Sísifo, valerá a pena questionar qual o propósito de um Estado que não garante, nem parece estar focado, na melhoria das condições de vida dos seus cidadãos. E, pior do que isso, está mesmo a condená-los a sucessivas frustrações das suas legítimas expectativas em almejar uma vida melhor. O futuro de Portugal não mudará enquanto for dada prioridade aos ganhos imediatos e à ilusão de dinheiro no bolso enquanto os impostos indiretos vão sugando por outra via esse rendimento extra. São já 20 anos nesta ataraxia e não sabemos quantos mais serão. Por agora, os Portugueses preparam-se para, pela quarta vez após o ano 2000, tentar erguer a sua economia, esperançados numa vida melhor e, acima de tudo, que nos próximos dois anos não aconteça nada que volte a empurrar a “pedra” para o fundo. É preciso imaginá-los felizes.