Comecemos esta reflexão com um pequeno exemplo fictício. Uma família com filhos é despejada da habitação onde residia por se encontrar em falta com o pagamento das rendas há mais de seis meses. Este conflito, muito brevemente apresentado, poderá ser convidativo a que cada um tome uma posição de apoio a uma das partes. Fazendo fé no conceito de empatia, que, de acordo com o site Priberam, designa identificação intelectual ou afetiva de um sujeito com uma pessoa ou ideia, é de crer que a larga maioria tomaria partido pela família despejada.

Afinal, a representação mental de um casal com filhos em situação de grande carência é bem intuitiva. A somar a isso, é bem mais confortável para o nosso sentido de humanidade tomarmos as dores da parte mais frágil e desprotegida. Rapidamente imagens vívidas de um jovem casal com poucas posses aflora à mente, impotentes perante o choro das suas crianças com fome, às quais não têm nada que dar de comer.

Do outro lado, alguns poderão inclusivamente imaginar um senhorio, comodamente sentado no sofá a beber um copo de brandy a seguir ao jantar no culminar de um dia tranquilo, alimentado pelos proveitos das inúmeras rendas que recebe. Constatar a sua atitude de indiferença perante o sofrimento dos outros provoca repulsa. Perante o somatório destas duas representações, torna-se evidente quem está do lado bom e quem está do lado mau.

No entanto, como em muitas das discussões do quotidiano, cada um é influenciado pelo conhecimento que detém e pela experiência passada. Um outro senhorio que tivesse passado por um episódio semelhante lembrar-se-ia que o inquilino que não lhe pagava a renda dava semanalmente festas em casa que motivavam, frequentes vezes, queixas de outros vizinhos por causa do ruído até altas horas. Ouvindo este novo caso, o tal senhorio não teria dificuldade em visualizar um casal que preferia gastar dinheiro em álcool para as suas festas ao invés de pagar as rendas que, por sua vez, eram o ganha-pão para pagar as contas do proprietário.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sem prejuízo da maior ou menor representatividade das perspetivas acima descritas, o que importa fazer notar é a aparente falta de capacidade em compreender a validade dos dois lados do conflito. Mas, se é verdade que a dificuldade em gerar empatia com uma causa que pouco nos diz é grande, é ainda mentalmente mais exigente fazer esse exercício quando somos parte diretamente interessada na disputa.

A este propósito, o livro Never Split the Difference, da autoria de Chris Voss, tem o condão de demonstrar que a capacidade de gerar empatia – mesmo que “tática” – conduz a desfechos mais benéficos num processo de negociação. Aquilo que parece ser óbvio acaba muitas vezes negligenciado: a capacidade de compreender o outro e as suas motivações proporciona a oportunidade de promover um melhor acordo que satisfaça as partes. Ao invés, é muito frequente que cada parte se feche nos seus objetivos, tentando impô-los à força aos seus interlocutores.

Como ser gregário, ou social, muita da satisfação que o ser humano atinge na sua vida está fortemente relacionada com o sucesso das suas interações sociais. É esse simples objetivo que leva cada um de nós a desenvolver crenças e opiniões que contribuirão para o nosso posicionamento na sociedade que nos rodeia. Ninguém nasce a defender os trabalhadores e o povo, por um lado, ou o patronato, por outro, ou a defender radicalmente o clima por oposição aos que defendem a prossecução de objetivos económicos.

Com a importância que as interações sociais assumem na vida de cada um, torna-se particularmente relevante denotar a aparente dificuldade associada ao exercício da empatia. Não em todos os casos, obviamente. Como referido acima, essa facilidade é maior com as causas que nos são mais familiares ou em grupos nos quais nos sentimos integrados. No entanto, mesmo não tendo como o comprovar cabalmente, parece que o exercício da empatia está a conhecer um retrocesso.

Fenómenos como a cancel culture são exemplo bem patente do impiedoso apontar do dedo à conduta errada dos outros sem sequer tentar compreender a sua essência ou a intenção das suas ações. Diariamente, pessoas são linchadas publicamente por emitirem uma opinião ou comentário considerados desapropriados, sem haver lugar à tentativa de compreender o que poderá estar na sua génese. Numa sociedade que valoriza a justiça, talvez fosse importante garantir que cada pessoa, antes de cancelada, tivesse um “julgamento” justo conduzido por um “juiz” que procure ser imparcial, neste caso, através do exercício apurado da empatia.

Paradoxalmente, a sofreguidão pela aprovação social poderá estar a desencadear cada vez maiores fraturas sociais, prejudicando em última medida o próprio funcionamento da sociedade e a forma como interagimos com ela. O papel de denunciador dos maus costumes parece granjear muitos pontos dentro de um grupo – ou tribo –, aumentar o sentimento de pertença e até contribuir para progredir na sua hierarquia. Por sua vez, essa tribo será cada vez mais forte e coesa quanto maior for o seu antagonismo com a rival. O mesmo é dizer que as partes se tornam cada vez mais fortes com a desagregação do todo.

As consequências disso são evidentes e torna-se quase redundante diagnosticá-las: aumento dos extremismos, fragmentação social ou aumento da conflitualidade. Elas são cada vez mais presentes e acicatadas por oportunismos e cálculos pessoais. Através da empatia seria mais fácil perceber o porquê de forças extremistas ganharem cada vez mais apoiantes e que os “cordões sanitários” não são solução nenhuma para o problema. Outro bom exemplo é compreender porque muitos reformados acorreram em massa às urnas para dar uma maioria absoluta ao Partido Socialista a fim de garantir o prometido aumento de pensões que lhes desse uma “ajudinha” a chegar ao fim do mês.

Neste contexto, há uma conclusão importante a sublinhar. A firmeza de caráter e de princípios encontrar-se-á cada vez menos na voz inflamada que assume posições drásticas, mas sim naquele que conseguir resistir ao impulso tribal de obliterar o seu oponente e se dedicar a compreendê-lo. Num mundo em que a conflitualidade é o meio mais imediato de integração e reconhecimento social, o exercício da empatia é uma demonstração de força.