A trompa foi o instrumento escolhido por Sergei Prokofiev para representar o Lobo na sua composição infantil intitulada Pedro e o Lobo, estreada em 1936. Através de uma narrativa simples, o compositor russo pretendia dar a conhecer às crianças sonoridades de diferentes instrumentos, cada um deles associado a uma personagem. A história conta-nos que um jovem chamado Pedro, que pertencia a uma organização de juventude da União Soviética, decidiu voluntariar-se para capturar um lobo que rondava pela floresta à revelia do seu avô – que, por acaso, não consta que fosse sapateiro.

Talvez por coincidência, o mesmo título foi utilizado na adaptação portuguesa de uma célebre fábula de Esopo. Neste caso, Pedro é um jovem pastor que passa os dias na serra com o seu rebanho de ovelhas. Cansado da monotonia dos seus dias, decide inventar um divertimento pernicioso e corre para a aldeia a gritar: “Lobo! Lobo!”, clamando pela ajuda dos aldeões. Quando estes acorreram em seu auxílio, não se depararam com lobo nenhum, percebendo que tinham sido enganados. A brincadeira foi repetida algumas vezes, gerando cada vez mais ressentimento nos aldeões. Até que um dia o lobo veio mesmo, precisamente quando todos se cansaram, e ninguém acorreu a ajudar Pedro, que gritava em vão. Desolado por perder parte do seu rebanho, o jovem não se livrou de ouvir: “Na boca do mentiroso, o certo é duvidoso”.

São apenas dois exemplos em que o lobo é o mau da fita, mas não há dúvida que este pobre animal é frequentemente chamado ao papel ingrato de incutir medo nos mais novos. Talvez por se perceber o impacto emocional que o medo tem ao longo da vida, sejam muitos os intervenientes que procuram utilizar esta emoção para levar as pessoas a agir da forma que lhes convém. Nesse particular, a política não é exceção. Cada vez mais, assistimos a campanhas que evoluem do mero destratar do adversário para algo mais sofisticado que pretende levar os eleitores a terem um medo genuíno de determinado candidato.

Para Pedro Nuno Santos, que se encontra no papel ingrato de conciliar a herança de uma governação que deixou muito a desejar com o apontar de uma visão de futuro que retenha os eleitores, a via do medo parece ser a escolhida para fazer a sua campanha eleitoral. Em primeiro lugar, procurou recuperar o papão do Chega – que como o Leitor bem adivinhou é o “lobo mau” desta pequena reflexão – para amedrontar os eleitores face à alternativa moderada à sua direita.

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Perante o “não é não”, repetido ad nauseam por Luís Montenegro, resolveu puxar por um número político no debate com o líder da Aliança Democrática, onde admitiu viabilizar um governo minoritário da AD caso esta ganhasse. No dia seguinte, foi obrigado a fazer uma óbvia adenda: se a AD ganhasse e não houvesse maioria de esquerda. E devolveu a questão ao líder da AD, exigindo saber o que ele fará num cenário em que perca com uma maioria de direita. Esta pergunta pretendia deixar Montenegro numa posição desconfortável em que nenhuma resposta é satisfatória, com o objetivo último de ressuscitar o papão do Chega.

Para espanto de muitos – ou talvez não – a nossa bolha mediática decidiu eleger esta questão como a mais relevante: o que candidatos a eleições vão fazer caso sejam… derrotados. Numa interpretação mais benévola, talvez a importância atribuída a esta pergunta seja reflexo de uma certa mentalidade derrotista que, por vezes e com honrosas exceções, nos assalta enquanto portugueses. E nesse particular tenho de tirar o meu chapéu a António Costa, que decidiu governar alegremente depois de perder, mesmo quando antes não admitia sequer uma vitória “por poucochinho”.

Tudo isto poderia ter alguma graça, não fosse estarmos a transformar uma campanha eleitoral, que deveria ser um momento para esclarecer as propostas de cada candidatura, numa discussão estéril e completamente desligada das reais preocupações dos portugueses. Se é verdade que a estratégia do medo deu uma maioria absoluta a António Costa em 2022, também é verdade que esse discurso repetido até à exaustão começa a ser enfastiante.

Por enquanto, Pedro Nuno e a sua entourage parecem apostar tudo nessa abordagem. O problema é que, como demonstra a fábula, quanto mais se fala no lobo menos as pessoas acreditam nele e, neste caso, muitos até acham que é uma “vítima”. Sendo isto cada vez mais visível, não deixa de ser lamentável que o PS, partido fundador da nossa democracia, procure obter vitórias eleitorais no curto prazo enquanto dá gás à extrema direita. Numa democracia que se quer madura, em vias de atingir o seu quinquagésimo aniversário, seria de esperar um comportamento mais digno de um partido com esta história. Ainda para mais, sabendo que o “lobo” não ataca só um lado. Que o diga a avó… de Mariana Mortágua.

A poucos dias de eleições, seria importante que os candidatos e, já agora, a nossa bolha mediática, se focassem no que é verdadeiramente essencial. À medida que o tempo avança, as forças que se dizem do progresso dão-nos música de trompa e circunstância, protagonizando um discurso divisivo que apenas tem alimentado o papão. O que ainda não perceberam é que vão sendo apanhadas por ele uma a uma. Também por esse motivo, seria inteligente que Pedro Nuno deixasse o lobo no seu lugar. Afinal, pode muito bem ser a sua próxima presa.