Em boa parte dos últimos 45 anos, Portugal virou as costas ao mar, assistindo-se ao desmantelamento de um conjunto de estruturas empresariais consolidadas ao longo de décadas, com a respetiva perda do conhecimento e know how, assim como da perda de capacidades e competências dos recursos humanos afetos a atividades da economia do mar.

Esta perda de competências e capacidades, mesmo nas atividades mais tradicionais, levou a que se chegasse ao início do presente século com pouco mais do que uma mera afinidade emocional, presente em vários grupos da sociedade portuguesa, ainda que num contexto em que a larguíssima maioria dos agentes económicos nacionais não tem praticamente qualquer interação económica com o nosso mar.

A partir de meados da década passada, vários agentes, quer políticos, quer empresariais e mesmo académicos, conseguiram pôr a economia do mar de novo na agenda política e mediática, ainda que a notoriedade ultrapasse em muito a relevância concreta do aproveitamento que os portugueses conseguem obter desse vastíssimo e largamente inexplorado recurso que é o “Mar Português”.

Em 2016, havia 177.000 empregos ligados à economia do mar em Portugal (fonte: Annual Economic Report on the EU Blue Economy 2018), um incremento de 22.000 face a 2009. Desse total, 75% referiam-se ao turismo de mar e 22% às pesca e apanha de marisco. A atividade portuária representava 2%, o transporte marítimo 0,7% e a construção e reparação navais apenas 1,9%.

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A atividade de exploração de recursos energéticos no mar (essencialmente prospeção e exploração de petróleo e gás natural) não tinha qualquer expressão, ainda que para o conjunto dos países com frente de mar na União Europeia representasse 1,7% do emprego da economia do mar do conjunto destes países.  Embora registando um crescimento de 27% desde 2009, o Valor Acrescentado Bruto da economia do mar ainda representa apenas pouco mais de 3,5% do total da economia. Com uma produtividade em linha com a média do sector, o turismo de mar representa ¾ do valor criado, contra apenas 16% da pesca, em função da muito baixa produtividade do sector.

A produtividade portuguesa para o conjunto da economia do mar é baixa quando comparada com a média europeia, em boa parte devido à composição sectorial da economia do mar. Na verdade, o sector com maiores níveis de produtividade na União Europeia (países com costa) é o da prospeção e exploração de petróleo e gás, que representa 1,7% do emprego, 16% do valor acrescentado do sector, sector que até hoje não tem qualquer expressão em Portugal. Para além da diferente composição sectorial também a persistência de baixos níveis de produtividade em sectores relevantes como o da pesca condiciona o pior desempenho da economia do mar portuguesa.

O facto de se partir de trás não implica que o desígnio não tenha sentido ou que se tenha criado um enorme equívoco no consenso alargado sobre a importância de não negligenciar mais os nossos recursos marinhos. Pelo contrário, há clara margem de progresso e mesmo a opção estratégica pela ambiciosa exploração da nossa vasta plataforma continental (a nona maior do mundo e a segunda maior da Europa) insere-se no objetivo de tirar partido com o máximo de racionalidade e de forma sustentável das enormes riquezas do Mar Português: minerais, energéticas, biológicas, etc.  Só que, muito do que hoje se perspetiva venha a ser o enorme contributo dos recursos energéticos e minerais da plataforma está dependente de progressos a realizar na tecnologia de acesso, exploração e transporte, que demorarão décadas a concretizar-se plenamente.

É neste contexto, em que parece haver um consenso sobre a importância dos recursos do oceano para o crescimento do país, que tenho particulares dificuldades com as hesitações e até oposições quando se coloca uma oportunidade concreta em linha com a estratégia que todos parecem apoiar.  Trata-se, como é evidente, da prospeção de petróleo e gás a cinquenta quilómetros da costa sudoeste ou mesmo de hidrocarbonetos ao largo do Algarve.

Os avanços tecnológicos permitem levar a cabo operações deste tipo de modo sustentável, com bem menores riscos, nomeadamente para a costa e ecossistema marinho do que os que já temos em função da passagem de milhares de petroleiros por ano, muitos deles mais perto da costa.

Por outro lado, e, fundamentalmente, não faz sentido o país eleger o desenvolvimento da economia do mar como um desígnio, mobilizar recursos políticos, diplomáticos, humanos e financeiros para esse suposto fim e depois enjeitar as primeiras possibilidades de poder almejar a uma alteração qualitativa da sua importância para o conjunto da riqueza que coletivamente poderemos produzir.

Portugal não se pode dar ao luxo de, na sua atual situação e no que se antecipa possa vir a ser o seu futuro a médio e longo prazo, enjeitar as oportunidades que tem, e que pode desenvolver respeitando todas as dimensões do património coletivo. Caso contrário, o nosso discurso sobre o potencial do mar português, passará a ser visto como isso mesmo, um discurso.  E discursos, por muito mobilizadores que sejam, não são garantes de um futuro sustentável para as atuais gerações e para as que lhe hão-de seguir.

Professor Catedrático da NovaSBE e Presidente da Fórum
Nota: este artigo reflete a opinião do autor e não vincula as instituições onde trabalha.