É bom recordar que é do interesse de Portugal ter boas relações com o Brasil. O rei Dom Carlos, cujo tio-avô, Dom Pedro II, tinha sido deposto pelos republicanos brasileiros, em 1889, dizia que o Brasil era um de três países com que Portugal devia tentar ter, sempre, boas relações. Em pleno PREC, em 1975, Mário Soares, como ministro dos negócios estrangeiros, foi ao Brasil, governado pela ditadura militar, para afirmar que não queria que a mudança de regime afetasse negativamente as relações bilaterais.

Lula e o erro da Ucrânia

Se até em Portugal a Ucrânia tornou controversa a visita do presidente do Brasil, isso deveria ser um sinal claro para a diplomacia brasileira que Lula escolheu o pior tema possível para reconquistar protagonismo no palco global. Podia ter-se ficado pelo ambiente. Escolheu a invasão da Ucrânia e não para de falar de forma controversa sobre o assunto mais divisivo da política global atual. Se as ofensivas de primavera e verão não derem resultados, talvez se volte a falar de negociações. Para já não me parece que nenhum mediador possa ter grandes resultados. E é até bem possível que este conflito acabe num impasse e não num verdadeiro acordo de paz. O sucesso para o Brasil parece remoto, os custos são imediatos.

Dito isto, a política externa de Portugal não se reduz ao apoio à Ucrânia, por muito que ele seja importante para o futuro da ordem global e regional. E não temos relações externas apenas com amigos com quem concordamos. Se fosse assim não seria necessária pagar toda uma máquina diplomática profissional. Mais, desta vez, Marcelo e Costa, sem quebrarem a cortesia devida a um convidado, até se afastaram do alinhamento automático e acrítico com que muitas vezes lidamos com outros países lusófonos. Ambos deixaram clara a posição portuguesa de ajudar a Ucrânia a defender-se face ao imperialismo de Putin, bem como relativamente às condições para uma paz justa e durável.

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Lula e nós

É bom recordar que o presidente Lula já veio sete vezes a Portugal. Desde a democratização só o presidente Jair Bolsonaro não visitou Portugal uma única vez, preferindo a Hungria de Órban e a Rússia de Putin. No Kremlin, uma semana antes da invasão, Bolsonaro falou das relações russo-brasileiras como um “casamento perfeito”. Lula, pelo contrário, tem mostrado um interesse consistente em boas relações com Portugal, e isso merece ser valorizado. O Brasil é “só” a 11ª economia mundial, o maior país de língua portuguesa e representa metade da América do Sul.

Foi notado internacionalmente que a primeira visita de Lula à Europa começou por Portugal. Em contraste, o atual presidente de Angola, João Lourenço, legítima mas significativamente, optou por ir primeiro a França. É positivo que tenham sido retomadas as cimeiras bilaterais luso-brasileiras, suspensas desde 2016. Veremos se será realista passarem a anuais. É positivo terem sido assinados 13 acordos bilaterais, desde logo para as vastas comunidades de emigrantes portuguesas e brasileiras. É positivo termos um projeto de desenvolvimento e construção conjunta de um novo avião de transporte militar, o KC-390. O primeiro de cinco foi agora entregue. Em parte graças a esta relevante cooperação tecnológica militar hoje as vendas de produtos aeronáuticos já ultrapassaram o vinho como a segunda maior exportação portuguesa para o Brasil.

É também positivo que Lula tenha declarado a sua vontade de ratificar o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. A ratificação continua a enfrentar séria oposição ideológica e corporativa, do lado de cá e do lado de lá, mas seria uma excelente forma de a Europa mostrar que consegue ter uma ação externa mais estratégica, dando impulso forte ao crescimento e à diversificação da nossa economia.

Um parlamento que se automarginaliza?

É, ainda assim, legítimo criticar Lula ou os termos da sua vinda a Portugal e ao parlamento? Claro que sim. Mas convém recordar que Lula é o presidente do Brasil, eleito pelo mesmo sistema de votação eletrónica que elegeu Bolsonaro, em 2017. É natural que a direita brasileira desgoste de Lula. É legítimo que se oponha democraticamente ao seu programa. Mas é evidente que não cabe aos partidos políticos portugueses fazer oposição ao presidente do Brasil.

Sim, quando Lula criticou a posição europeia face à invasão da Ucrânia tornou inevitável alguma reação portuguesa. E claro que os deputados podem optar por aplaudir ou não quem quiserem no parlamento. Já a ausência dos partidos deste tipo de visitas de Estado, sendo uma opção legítima, que tem a seu favor não perturbar a sessão parlamentar, parece-me arriscada. Reflete geralmente uma aversão ideológica, seja no caso do Bloco quando visitou o Rei de Espanha, do PCP quando falou o Presidente da Ucrânia, ou agora da IL quando visitou o Presidente do Brasil. Mas se estas ausências se multiplicarem, num mundo cada vez mais conflituoso e polarizado, arriscam-se a resultar, cada vez mais, na opção sensata passar a ser, por regra, evitar sessões solenes com líderes estrangeiros no nosso parlamento. Ou seja, os deputados podem acabar por estar a promover a marginalização crescente do parlamento.

Equilíbrio externo e birra desequilibrada

Os partidos que quiserem ser credíveis candidatos a governar o país têm de ser capazes da gestão equilibrada da nossa política externa. O que implica o difícil exercício de harmonizar a defesa de valores e de interesses. Um partido que queira ser levado a sério na gestão dos interesses nacionais pode recusar-se a ouvir o presidente do Brasil ou o rei de Espanha ou o presidente de uma Ucrânia em guerra, por muito válidas que sejam as objeções de princípio que possam ter? Não me parece.

O que é claro para mim é que a birra populista e as pateadas mal-educados do Chega no parlamento são indefensáveis. Mais ainda quando o mesmo partido convida Jair Bolsonaro e Salvini, grandes apologistas de Putin, a virem ao seu congresso de maio. Também vão protestar por lá? O Chega, que, no discurso do seu líder, pareceu reclamar o monopólio da representação dos portugueses de bem, pelos vistos não sabe que uma pessoa de bem não desrespeita o Presidente da República e o Parlamento, não ofende um convidado, que até é o presidente de um país amigo com quem é do interesse de Portugal ter boas relações. Esta postura do Chega teve, no entanto, a vantagem de mostrar que querem o poder a qualquer preço, sem respeitar qualquer limite e sem qualquer preocupação pelos interesses do país.