Portugal tornou-se tristemente o recordista mundial tanto nas infeções como nas mortes por habitante na terceira onda da pandemia. Depois desta catástrofe, o País passou da 14ª pior posição dentro da UE para a 4ª posição, e a 6ª a nível mundial, excluindo pequenos países. Estes números deveriam levar as autoridades a fazer uma análise profunda das causas desta situação, para tirar lições e corrigir os erros. Vamos procurar lançar aqui algumas hipóteses e apontar áreas para investigação. Estas questões juntam-se a uma outra preocupação que deve estar no topo da agenda nacional e comunitária que é a vacinação da população. É a principal esperança no combate à pandemia, e os números disponíveis mostram que a Portugal, e a UE, estão entre os países e zonas desenvolvidas com mais baixa taxa de vacinação. E o problema é que não se vislumbra solução para o problema a curto prazo, o que faz esperar um ano de 2021 com elevada incidência da pandemia, com as inevitáveis consequências de mortes e económicas, caso não haja uma reviravolta numa política agressiva de aumento de produção de vacinas e sua distribuição pelas populações.

Não tendo sido capaz de controlar a pandemia através da testagem e isolamento de cadeias de transmissão como os países asiáticos, a única forma de alcançar a imunidade de grupo para a Europa e América do Norte é a vacinação em massa. O estudo da evolução da vacinação, se se mantiver o ritmo atual, permite-nos concluir que Israel será o primeiro país a alcançar a imunidade em março/abril de 2021, tendo o governo já declarado que abrirá a economia nestes meses. Também em maio o Reino Unido e os UAE poderão abrir a economia. Depois do impulso do Presidente Biden os EUA estão a caminho de alcançar a imunidade de grupo em julho de 2021. Ao ritmo atual a EU só conseguirá atingir a imunidade e acabar com toda a espécie de confinamento em 2023. Para atingir o objetivo de vacinar 70% dos adultos até finais de setembro de 2021 teremos de multiplicar por 4 o ritmo diário atual na UE e em Portugal por 5. Mesmo com esta aceleração este ano turístico está mais uma vez perdido.

1 O país bate o record mundial de mortos por COVID-19 na terceira vaga

Convém observar que nem todos os países registaram uma terceira vaga. Por exemplo, a Bélgica apenas registou duas ondas até agora. Apenas por razões de comparabilidade com o nosso País consideramos que depois do dia de Natal, a 26.12 se verificou em vários países como na Espanha, Alemanha e Portugal, uma aceleração no número de infeções, que designamos aqui por terceira vaga (Gráfico 1).

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Gráfico 1

Fonte: ourworldindata.org

Gráfico 2

Fonte: ourworldindata.org

Também em termos de mortes se verifica claramente uma onda depois do Natal para Portugal e Espanha, mas menos notória no caso dos restantes países. Como se pode verificar em ambos os gráficos Portugal regista um pico que apenas foi ligeiramente ultrapassado pela Bélgica, em termos de infeções na I onda e de mortes na II onda da Bélgica. Portugal regista um record de infetados e mortos a nível da UE e mesmo do mundo, a partir do início de janeiro de 2021, mas já estava em meados de novembro de 2020 a registar um número de infetados por habitante entre os maiores da UE e do mundo. Não deixa de ser surpreendente que as Autoridades não tenham desde logo tomado medidas para travar esta forte aceleração.

Também à semelhança da Bélgica, tanto as novas infeções como novos óbitos estão a cair rapidamente. A fase aguda destas ondas, definida por número de mortes diárias superiores a 10 por milhão de habitantes, durou cerca de um mês, pelo que tendo começado entre nós a 11.1.2021, seria de esperar que estivesse a terminar, passando abaixo dos 10 óbitos por milhão de habitantes, na semana de 15 de fevereiro. Na Europa de Leste têm-se verificado ondas em que as mortes permanecem acima dos 10 óbitos por 10 milhões de habitantes que persistem por 3 meses, mas não tão agudas como as de Portugal e Bélgica.

Gráfico 3

Fonte: ourworldindata.org e cálculos do autor

O Gráfico 3 mostra a estimativa para o total da III onda, truncada a 28 de fevereiro. Portugal é o pior país da UE com um total de 10 118 mortes por 10 milhões de habitantes, bastante acima do segundo país, a Eslováquia, com 8 036 mortes, seguidos pela República Checa e Reino Unido. Os países com menor número de mortos são a Finlândia (360), Chipre (1 554) e Grécia (1 740).

2 O balanço da epidemia até à data

Que balanço podemos fazer da pandemia, desde que eclodiu na Europa no início de março? Os Gráfico 4 e 5 mostram o número de infeções e mortes por habitante, acumulados desde o início e

Gráfico 4

Fonte: ourworldindata.org

Gráfico 5

Fonte: ourworldindata.org

projetados até finais de fevereiro. Em termos de infetados por 100 mil habitantes Portugal ocupa a quinta pior posição, depois da Eslovénia, Luxemburgo, República Checa e Malta. E, em termos de mortes, em quarta posição depois da Bélgica, Eslovénia, República Checa, uma vez que o Reino Unido já deixou a UE.

A dimensão das três ondas na UE foi bastante diferente, com os dados a mostrar uma aceleração contínua da epidemia. Em termos de infetados a UE teve na I onda um total de 1 879 mil casos, com uma média diária de 11 532 infetados, subindo acentuadamente na II onda para um total de 15 229 mil casos, com uma média diária de 114 534 infetados, e na III onda, até finais de fevereiro estimam-se 8 196 infeções, com uma média diária de 130 091 casos. Verificamos, assim, uma aceleração contínua entre as três ondas. O Gráfico 6 mostra essa aceleração, com um ponto de inflexão no início de novembro, em termos de infeções, a que se seguiu cerca de duas semanas depois o ponto de inflexão nas mortes. Em termos de mortes, na I onda houve um total de 179 mil mortes, com uma média diária de 1 091, na II onda as mortes subiram para 245 mil, com uma média 1 844, o que mostra que depois do verão, depois de vários meses de relaxamento das medidas de confinamento  e da mutação do vírus, tanto a taxa de infeções como de mortes acelerou de forma continuada. Muitos dos países da Europa de Leste que tinham registado baixas taxas durante a I onda, registavam agora as taxas mais elevadas da UE. E, na III onda o total de mortes deve atingir até finais de fevereiro 210 mil, o que representa uma média diária de 3 328, continua ainda a aceleração.

Uma nota final, existe um problema de comparabilidade entre países com dimensões bastante diferentes. Por exemplo, é difícil comparar as taxas de infeção ou mortalidade do Luxemburgo e Malta com Portugal pois dentro de um país como o nosso, de maior dimensão, existe uma grande diferenciação entre regiões e mesmo áreas metropolitanas. Mesmo a Eslovénia que só tem cerca de 2 milhões de habitantes deve ser comparada com algumas reservas com Portugal que é 5 vezes maior.

Gráfico 6

Enquanto que na II onda, em meados de dezembro, os piores países em número de mortes por habitante eram a Espanha, Bélgica e Itália, depois da III onda, a Bélgica continuava a ter a pior posição dos 27, mas a Espanha passava para a 8ª posição a partir do fundo, e a Itália para a 6ª posição, passando assim ambas a estar melhor que Portugal. O nosso País era o que tinha a maior queda, caindo 10 posições, passando de 14ª para a 4ª posição a partir do fundo. A República Checa e a Eslováquia caíam ambos 2 lugares.

3 Problemas de testagem e confinamento

Quais serão as razões desta III onda em Portugal na qual o País bateu o record mundial, colocando-o numa situação global mesmo pior do que a Espanha e Itália, países bastante afetados nas ondas anteriores, e sobretudo na I onda? Vejamos alguns indicadores, mas para estudar a causalidade seria necessário um estudo econométrico.

Terá havido testagem suficiente para identificar infetados e isolar cadeias de transmissão? Um dos benchmarks para a testagem é evitar que a taxa de positivos seja superior a 10%. Ora o Gráfico 7 mostra que desde o início de novembro Portugal tinha uma taxa de positivos acima deste limiar e permaneceu acima em quase todo o período, tendo chegado em finais de janeiro ao dobro do limiar. Da amostra de países, só a Eslovénia teve taxas superiores a Portugal até inícios de janeiro de 2021. Houve, pois, insuficiência de testagem.

Gráfico 7

Fonte: ourworldindata.org

E não se fez o suficiente para identificar nem isolar as cadeias de transmissão. Apesar da experiência asiática mostrar a importância desta medida, o Governo continua a não dispender os recursos suficientes para organizar unidades de seguimento a nível local. Nem tão pouco existe o controle dos infetados que deveria de existir. O falhanço da app Stayway Covid é outro marco dos erros cometidos. Deveriam ter-se revisto as regras de funcionamento da app, por exemplo, encarregando os laboratórios de introduzirem diretamente os dados anónimos dos infetados.

Terão as medidas do Governo levado a um nível de confinamento suficiente? Não tendo as medidas de testagem, identificação de cadeias e isolamento dos infetados sido suficientes, terão as medidas gerais de confinamento sido suficientes? O Gráfico 8 e o Quadro 1 mostram os índices de confinamento calculados pela Universidade de Oxford. O Gráfico mostra que Portugal só começou a tomar medidas de confinamento elevado a 9.1.2021, mesmo assim um pouco inferiores às de março de 2020. A Espanha já tinha apertado bastante as medidas em meados de outubro e voltou a restringir nas vésperas de Natal, tendo voltado a relaxar para o nível pré festas depois do dia de Reis. A Alemanha foi o país que mais apertou logo a 15 de dezembro. Estas experiências contrastam com o atraso do caso português.

Gráfico 8

Fonte: ourworldindata.org

Quadro 1

Fonte. Cálculos do autor

O Quadro 1 mostra que o grau de confinamento, medido pelo índice de restrição sobre a taxa de infeções, subiu na III onda em relação à II onda, mas ficou muito abaixo da I onda. Os países que mais apertaram as restrições na III onda foram a Grécia, Alemanha, Roménia e Finlândia, enquanto que Eslovénia e Portugal figuram entre os que têm tido menor rácio de confinamento. Também no índice de desfasamento, que mede a rapidez de resposta à intensificação da pandemia, Portugal e Eslovénia são os que figuram entre os mais lentos na resposta.

Contudo, estas são apenas medidas administrativas, o que conta verdadeiramente conta é o comportamento da população em termos de distanciamento social. O que dizem por exemplo os índices de mobilidade? O Gráfico 9 mostra os índices de mobilidade calculados pelo Google. É visível a queda dos índices em março de 2020, a forte subida no verão nas atividades de recreio ao ar livre. A mobilidade nos transportes começou a diminuir em novembro, mas notam-se depois fortes subidas na atividade comercial, deslocações e trabalho no Natal e Ano Novo. Foi só depois de meados de janeiro que todas estas atividades e mobilidade baixaram acentuadamente depois das medidas restritivas tomadas a 8 de janeiro, apesar da declaração de sucessivos estados de emergência com medidas confusas.

Gráfico 9

dr

Sabemos que o número de infetados bateu recordes e o que aconteceu à letalidade? A taxa de letalidade, rácio entre o número de mortes e infeções, aumentou em Portugal da II para a III onda, de 1,4 para 2,3 %, mas mesmo assim está abaixo da média da UE (1,6 e 2,6%). Os países que tiveram até agora uma maior taxa de letalidade (Quadro 2) foram a Bulgária, Grécia, Hungria e Itália, e os que tiveram menores taxas foram Chipre, Estónia, Malta, Dinamarca, Finlândia e Eslovénia. Estas taxas mostram que nem sempre os países com menor taxa de letalidade conseguiram menores taxas de mortalidade, como por exemplo, a Eslovénia, que teve baixa taxa de letalidade mas como a taxa de infetados é muito elevada o número de mortos por habitante também é elevado. Também é o caso de Portugal na III onda, que apesar de ter uma taxa de letalidade inferior à média europeia teve um record de mortos por habitante.

Quadro 2

Fonte: Cálculos do autor

4 Os primeiros resultados encorajadores de Israel: próximo da imunidade de grupo total

Israel é o líder mundial incontestado da vacinação contra a Covid, e que assim constitui um teste em larga escala, depois dos testes clínicos terem concluído pelo sucesso de cerca de 90% das vacinas aprovadas pelos reguladores. A 13.2.2021 Israel tinha, para uma população de 8,65 milhões, administrado 6,3 milhões de doses, que correspondiam a 72,8 doses por 100 habitantes, com 42% tendo recebido pelo menos a 1ª dose e 27% da população já tendo recebido a 2ª dose. O número de doses administrada nos dias mais recentes anda pelos 140 mil, já tendo atingido 230 mil a 21.1.2021. O Gráfico 10 mostra já uma forte queda no número de mortes por habitante.

Gráfico 10

Fonte: ourworldindata.org

O New York Times reportava a 12.2.2021 que os casos de Covid-19 e as hospitalizações estavam a cair dramaticamente entre as pessoas que tinham sido vacinadas apenas depois de umas escassas semanas, o que tornava Israel num teste de laboratório para o mundo. E no mesmo dia a Reuters reportava que mais de 97% das mortes no último mês eram de pessoas não vacinadas.

O objetivo do Governo é atingir 50% de cobertura e reabrir a economia em março do ano corrente. O foco inicial da campanha é de vacinar toda a população acima dos 60 anos e das populações mais vulneráveis. A 12.2.2021 mais de 70% da população com mais de 60 anos tinha recebido as 2 doses da vacina da Pfizer/BioNtech, numa campanha que decorre a um ritmo de 24/7. Nesta data a primeira dose já está a ser administrada a toda a população com mais de 35 anos.

O país não está a vacinar pessoas que tenham tido a Covid-19 e estejam certificados.

Em termos mais técnicos, um estudo da Universidade de East Anglia, na revisão de um estudo de peritos israelitas concluiu que a eficácia da vacina começa depois do 14º dia de ser tomada a primeira dose, e que esta sobe rapidamente a 90%, no 21º dia, para depois estabilizar. Isto significa que a imunização máxima ocorre por volta da 2ª dose. Um estudo do ministério da saúde de Israel mostra que apenas 317 pessoas das 715 425, ou seja 0,04%, ficou infetada depois de decorrer uma semana de terem recebido a 2ª dose, e destas apenas 16 tiveram de ser hospitalizadas. Estas notícias confirmam a extraordinária eficácia da vacina, e a sua importância para poder debelar a pandemia.[1]

5 Uma campanha de vacinação na UE de arranque lento, e agravada em Portugal com deficiências graves

Até à data foram produzidas 173 milhões de doses de vacina da Covid-19, das quais cerca de 100 milhões pela Pfizer e Moderna (dois terços pela primeira). As restantes foram produzidas pela China, Rússia e India. Das vacinas aprovadas pelos reguladores dos EUA, RU e UE, foram entregues 52 milhões aos EUA, 21 à UE, 15 ao Reino Unido, 6 a Israel e 5 aos UAE. Estes números, quando comparados com a população destes países e regiões, mostram claramente o enorme atraso da UE, que terá resultado da forma como os contratos foram formulados. O Gráfico 11 mostra a evolução na vacinação das populações nestas jurisdições, onde Portugal é representativo de um Estado Membro. Em Portugal o número de pessoas vacinadas é de uns meros 3,9%, contra 12,7% nos EUA, 18,9% no RU e 65,8% em Israel.

Gráfico 11

Fonte: ourworldindata.org

Existem problemas sérios na capacidade de produção de vacinas tanto nos EUA como na Europa. No caso dos EUA a Pfizer e Moderna têm entregado cerca de 4,3 milhões de doses por semana. Mas para atingir o objetivo dos 100 milhões de vacinações no primeiro trimestre de 2021 acordado com o Governo americano, cada uma daquelas empresas terá de entregar 7,5 milhões de doses por semana nas seis próximas semanas, o que representa aumentar quase para o dobro a cadência de produção.

Enquanto que para os EUA são conhecidos as quantidades e os prazos de entrega, no caso da UE só foram anunciadas as quantidades contratadas. No caso da UE foram contratadas 2,3 mil milhões de doses (das quais Pfizer 600, Moderna 160, AstraZeneca 400). No caso dos EUA foram contratadas 600 milhões de doses da Pfizer e Moderna para entrega 200 milhões no 1º trimestre de 2021 e a restante até 31 de julho de 2021. Para além de mais de mil milhões de USD disponibilizados para a fase de investigação e desenvolvimento, o Governo federal americano está a disponibilizar mais de 1 mil milhões de USD para a logística, distribuição e aplicação da vacina aos Estados.

Tanto os EUA como a Comissão Europeia estabeleceram objetivos semelhantes para a vacinação. A Comissão Europeia definiu que em março de 2021 pelo menos 80% das pessoas com mais de 80 anos e 80% do pessoal médico e de cuidados sociais deveria estar vacinado, em todos os Estados Membros, e no verão de 2021 os Estados Membros deveriam ter vacinado 70% de toda a população adulta. O Presidente Biden estabeleceu o objetivo de administrar 100 milhões de vacinas nos seus primeiros 100 dias de mandato, mas estando o ritmo acima deste objetivo, reviu recentemente este objetivo para administrar 1,5 milhões de vacinas diárias, contra 1 milhão anterior. O outro objetivo é alcançar a imunidade de grupo até ao final do verão.

Serão estes objetivos realizáveis? No caso dos EUA os objetivos são não só atingíveis, mas poderão ser mesmo antecipados. A média de vacinas administradas nos últimos 7 dias tem sido de 1,45 milhões por dia, já próxima do ritmo revisto por Biden. Para vacinar 70% da população adulta são necessárias ainda 251 milhões de doses, descontando as que já foram administradas. Ao ritmo de 1,5 milhões por dia são necessários 167 dias, o que significa que nos EUA o objetivo de imunidade de grupo estará atingido em finais de julho de 2021.

Porém, no caso da UE serão necessárias ainda administrar 480 milhões de doses. Ao ritmo dos últimos 7 dias, que tem sido de 0,54 milhões, o objetivo da imunidade de grupo só seria atingido depois de meados de 2023! Para se conseguir o objetivo de finais de setembro de 2021, o ritmo de vacinação terá de subir para 2,1 milhões por dia, desde já, o que significa quadruplicar o ritmo de vacinação atual de imediato. Conforme já apelámos à Presidente da Comissão e Presidência da UE, só se conseguirá esta subida drástica através de uma expansão da capacidade de produção, e de planos de vacinação adequados. Em vez de ameaças às farmacêuticas e medidas avulsas de proibição de exportação, o fundamental é que a Comissão se sente à mesa com as maiores farmacêuticas para definir planos concretos que possam multiplicar por 4 a entrega de vacinas aos Estados Membros. Estamos numa economia de guerra, perante a catástrofe de vidas e a maior recessão dos últimos 100 anos, pelo que se exigem ações concretas, rápidas e eficazes, desde licenciamentos, expansão de equipamentos e fábricas, treino de pessoal a assegurar cadeias de produção.

6 E em Portugal uma campanha de vacinação lenta e com deficiências graves

Para cumprir o objetivo de ter os idosos com mais de 80 anos e pessoal de saúde e serviços sociais até março vacinados, o sistema de saúde teria de administrar 1 866 mil doses. Ora, segundo a última informação oficial em vez das 4 400 mil doses previstas para o primeiro trimestre, apenas vamos receber 1 980 doses, que permite mesmo assim cumprir o objetivo definido pela Comissão. Mas, considerando o que já foi administrado (cerca de 400 mil doses), teríamos de vacinar a partir de agora a um ritmo de 34 mil doses diárias. Ora, nos últimos dez dias a média diária foi apenas de 11,6 mil doses por dia, o que significa que teríamos de triplicar o ritmo.

Se desejarmos vacinar os restantes portugueses a partir dos 60 anos em 90 dias, seriam necessárias 6 455 mil doses e teríamos de vacinar a um ritmo de 46,5 mil por dia. Para atingir a imunidade de grupo que corresponderia a 70% da população adulta até finais de setembro teríamos de vacinar a partir do início de março 55,2 mil doses por dia, o que significa quintuplicar o ritmo atual.

É evidente que para atingir este ritmo de vacinação não basta que cheguem as vacinas, é também essencial ter uma logística adequada e um sistema de vacinação no terreno que permita aplicar a vacina a todos os portugueses. Todos os cálculos aqui feitos assentam na hipótese de se estar a trabalhar os 7 dias por semana, e a julgar pela experiência dos outros países o horário deveria ser o mais extenso possível: com um horário de 14 horas por dia seria necessário administrar 4 mil vacinas à hora, e com 8 horas cerca de 7 mil. É evidente que para atingir este ritmo é necessário disponibilizar instalações e pessoal muito para além do Serviço Nacional de Saúde, pelo que esperamos que a nova equipe logística trabalhe em estreita colaboração com os Hospitais Privados, Associações Sociais e Farmácias para alargar significativamente a capacidade de vacinação. E é evidente que todos os sistemas informáticos para identificação das pessoas a vacinar e de registo de vacinados têm de estar prontos e devidamente testados, o que não tem acontecido até agora.

Não compreendemos porque se complicou tanto a definição de prioridades por grupos populacionais na vacinação. O critério de fila de espera deve ser o mais simples possível e transparente. É lógico que se tenha dado a primeira prioridade ao pessoal de saúde, lares de idosos e respetivo pessoal. Mas depois, só deveria ter sido aplicado o critério da idade. Sabemos que os idosos, e em particular as pessoas com mais de 70 anos, é que têm a mais elevada taxa de mortalidade. E como esta taxa aumenta quase linearmente com a idade basta aplicar uma escala descendente. Não se entende porque é que bombeiros, políticos, pessoal de segurança e demais grupos, que em geral têm menos de 65 anos, estejam a ser prioritários em relação a idosos de 70 ou 80 anos. Mesmo a definição de comorbidades é complexa, e já se provou na prática que é de difícil aplicação. Com critérios simples, da idade, ter-se-iam evitado os tristes espetáculos de multas, crimes e demais problemáticas, que são uma consequência natural de esquemas administrativos complexos e mal-entendidos. Nos EUA, depois da vacinação das pessoas com mais de 60 anos, passa a ser livre a vacinação: quem chegar primeiro.

7 Conclusões e lições para o futuro

Existem momentos na história que definem uma época. Estamos num desses momentos: depois de uma corrida épica para encontrar vacinas eficazes contra a Covid-19, segue-se a sua implementação em campanhas nacionais para inocular as populações de forma a atingir a imunidade de grupo. Com as experiências até ao momento só os EUA, Reino Unido, Israel e UAE estão no caminho de poder alcançar esta imunidade até ao verão de 2021. Apesar de os Estados Membros terem delegado na Comissão Europeia a encomenda das vacinas necessárias, só uma multiplicação por 4 a 5 do ritmo atual de vacinação poderá atingir aquele objetivo.

A UE já está fragilizada pelos números record de infetados e mortes da epidemia. E não é só a tragédia humana. Basta citar a evolução do PIB em 2020 para se constatar o impacto muito mais negativo da epidemia na UE do que nas restantes grandes potências: a China cresceu 1,8%, os EUA registaram uma queda do PIB de 3,5%, enquanto que a UE teve cerca do dobro da queda (6,3%). Ora, se a UE não recupera o atraso com que já vai na vacinação e no agravamento da pandemia arrisca-se a ter uma recuperação em 2021 muito mais lenta do que aqueles blocos. E a evolução para Portugal está ainda abaixo da média comunitária. Impõe-se, pois, uma ação imediata nas políticas contra a pandemia, para evitar a progressiva decadência da UE, e que poderá deixar uma marca bem negativa na Presidência Portuguesa.

[1] Hunter PR, Brainard JS. Estimating the effectiveness of the Pfizer covid-19 BNT162b2 vaccine after a single dose: a reanalysis of a study of “real world” vaccination outcomes from Israel.Medrxiv2021.02.01.21250957v1 [Preprint]. 2021. www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.02.01.21250957v1