A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e de Jair Bolsonaro no Brasil levantou uma onda de inquietação sobre a forma como o populismo irá evolucionar na América. Um problema que tem merecido ampla discussão nos meios de comunicação social.

Fui chamado, a exemplo de outros politólogos, a apresentar a minha leitura do fenómeno. Uma breve súmula do que disse está disponível no sítio Infobae. Poderia aprofundar o assunto, mas julgo mais pertinente analisar a situação no que concerne ao nosso país.

De facto, trata-se de uma análise imperiosa para continuar a lutar contra alguns mitos que continuam a escamotear a real dimensão do problema em Portugal. Mitos que, à força da repetição, ganham estatuto de verdade. Como já afirmei em várias ocasiões, tanto o Presidente da República como os partidos populistas de esquerda e extrema-esquerda insistem em identificar o populismo com a extrema-direita. Uma falácia que continua a colher em terras lusas, apesar de há muito ter sido desmontada por esse mundo fora.

O uso demasiado abrangente do termo populismo – concebido como ideologia, estratégia política ou articulação do discurso – não pode ser aduzido como justificação para a persistência no erro. Uma atitude que poderá vir a acarretar graves consequências para o edifício democrático. Deixar germinar o populismo de esquerda, tratando-o como se o não fosse, representa um erro crasso. Que o digam os cubanos, os venezuelanos e os brasileiros, por exemplo.

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Para aumentar a dimensão do problema, a dicotomia esquerda-direita, no que ao populismo diz respeito, já não traduz por inteiro a realidade. Há novos desenvolvimentos. Basta lembrar que o Governo de Lula da Silva combinou políticas ditas de esquerda, como as bolsas, com medidas económicas que encheram os bolsos dos grandes grupos económicos. É esse dado que justifica a questão colocada no título.

Na verdade, a reduzida implantação do populismo assumidamente de direita não significa que não possa vir a surgir um Bolsonaro em Portugal. Alguém que, partindo ou não da direita, consiga um apoio transversal entre os eleitores desiludidos com os partidos tradicionais ou com o funcionamento das instituições.

Sendo certo que tal só acontecerá numa situação extrema, talvez convenha ter presente que, numa fase em que a democracia representativa apresenta caraterísticas muito próximas de uma democracia deliberativa, a excessiva mediatização de vários processos judiciais envolvendo figuras proeminentes da vida política e económica pode trazer a lume os perigos decorrentes da judicialização da política. Algo tão nefasto como a politização da justiça e que é passível de um duplo efeito.

Primeiro, pode abrir espaço para o descrédito, generalizado e abusivo, do sistema político e dos seus agentes. Segundo e mais preocupante, pode fazer emergir a figura de alguém percecionado como o último garante da justiça. Uma imagem fácil de alimentar, pois, como Maquiavel ensinou a Lourenço de Médicis, quem quiser enganar encontra sempre a quem fazê-lo. Uma verdade intemporal e universal.

No Brasil, Bolsonaro diluiu o mediatismo logrado pelo juiz Sergio Moro atribuindo-lhe a pasta da Justiça e Segurança Pública. O problema é se um juiz sonhar mais alto e conseguir rentabilizar politicamente o ativo proporcionado pelo mediatismo dos processos que lhe calharam em sorte.

Afinal, como o próprio Laclau reconheceu, também há um populismo de elite.

Politólogo