Por virtude da resolução do Conselho de Ministros nº 33-A/2020, Portugal deixou de estar, desde o passado dia 3 de Maio, em estado de emergência, para passar para o regime menos gravoso de estado de calamidade. Contudo, ainda “não é permitida a realização de celebrações e de outros eventos que impliquem uma aglomeração de pessoas em número superior a 10”. Ou seja, o confinamento – que já acabou para boa parte do comércio, livrarias, finanças, barbearias e cabeleireiros, stands de automóveis, museus, bibliotecas, arquivos, etc. – ainda se mantém para a Igreja católica, não obstante as grandes dimensões da generalidade dos templos.

Não estranha, portanto, que os fiéis católicos tenham ficado desapontados com esta atitude governamental. A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), fazendo seu esse pesar, publicou, no passado dia 8, uma nota, em que manifesta o seu desejo de “retomar brevemente as celebrações litúrgicas comunitárias e abertas e demais actos de culto público, o que corresponde à natureza da Igreja, assembleia do Senhor”. Para este efeito, o episcopado português “propõe algumas medidas de proteção que dimanam da caridade fraterna” e que, cada diocese, adaptará às suas próprias circunstâncias, em sintonia com as outras dioceses e o “que a autoridade da saúde dispuser em cada momento”.

Não é aceitável que, para efeitos de pandemia, as Missas tenham sido equiparadas aos jogos de futebol, quando são bens públicos de primeira necessidade, como recordou o episcopado português na referida nota, em que declara perentoriamente que “nada pode substituir a vida sacramental plena”, ou seja, o culto público. Como disse recentemente o Arcebispo de Paris, Michel Aupetit, “ir à Missa não é ir ao cinema, não é uma distração. É algo vital. A Eucaristia é o alimento divino que sustenta as pessoas no meio da quarentena. É um remédio espiritual”.

A principal preocupação da Igreja não é o poder, mas as pessoas e o seu bem e, por isso, de uma forma extraordinariamente prudente e responsável, a CEP reconhece, explicitamente, que “a Igreja tem a grave responsabilidade de prevenir o contágio da enfermidade, em coordenação com as legítimas autoridades governativas e de saúde”, sem esquecer que a sua prioridade é proporcionar, às almas que o desejem, os bens espirituais de que têm necessidade. Salvaguardadas as regras sanitárias definidas pelas correspondentes autoridades, a Igreja não pode prescindir da celebração comunitária da Eucaristia, que não é um capricho supérfluo, mas uma exigência irrenunciável.

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Mas, os católicos, mesmo sem Missa dominical, não podem rezar em suas casas?! Claro que sim e, mesmo depois de retomadas as Eucaristias do dia do Senhor, continuarão a fazê-lo, não só nos seus lares, como no seu trabalho, na rua, no campo e na praia. Mas a fé cristã, que é pessoal, é também comunitária, porque só pode ser vivida plenamente na comunhão da Igreja. Por isso, mesmo quando um fiel reza sozinho o ‘Pai nosso’, não usa a primeira pessoa do singular, mas do plural: o ‘nós’ dos crentes, o ‘nós’ da Igreja, o ‘nós’ do Povo de Deus. Não um ‘nós’ que se esgota na multidão dos fiéis, porque sobretudo é, através da Igreja, comunhão com Deus, que se celebra precisamente na Missa e nela se realiza com plenitude no sacramento que recebe o seu nome. Por isso, só não entende a transcendência da celebração comunitária da Missa quem não compreende que a Igreja é comunhão. E por isso também, os pastores não podem tolerar que aos fiéis seja negada, por mais tempo, aquela comunhão eclesial que só na comunhão sacramental acontece.

Sine Missa non possumus – sem a Missa, não podemos viver, disseram, no ano 303, os mártires da Abissínia, arredores de Cartago, no norte de África, mortos precisamente por não terem prescindido da celebração comunitária da Eucaristia dominical. Nas catacumbas romanas, na Inglaterra anglicana, na Holanda calvinista, nos campos de concentração nazis, no gulag soviético e na China comunista, nunca se deixou de celebrar a Eucaristia, mesmo com risco de vida para os fiéis. A Igreja poderia sobreviver sem templos, mas não sem a Missa porque, como recordou S. João Paulo II na sua última encíclica, é a Eucaristia que faz a Igreja.

Aos fiéis católicos não pode ser negado o direito à celebração pública da sua fé. Os bispos e párocos devem, certamente, zelar pela saúde pública, mas também proporcionar aos fiéis as celebrações a que têm direito. Actualmente, as regras sanitárias já não podem servir de pretexto para impedir os actos de culto público dos fiéis, qualquer que seja a sua crença, como a segurança do Estado não pode justificar a supressão dos direitos humanos. Esta característica dos regimes democráticos é que os diferencia dos Estados totalitários.

As liberdades que a Constituição reconhece a todos os portugueses, sem distinção de raça, sexo, ideologia política ou confissão religiosa, não podem ser negadas aos católicos, nem aos outros crentes, que não podem ser tratados como cidadãos de segunda, o que aconteceria se se lhes continuasse a proibir o culto público. Se, em caso algum, uma tal interdição poderia ser constitucionalmente aceitável, muito menos depois de a Igreja ter publicado, no passado dia 8 de Maio, as Orientações da Conferência Episcopal Portuguesa para a celebração do culto público católico no contexto da pandemia COVID 19, que não só cumprem como até excedem as normas prudenciais em vigor nos estabelecimentos do Estado e comerciais. No conhecimento destas normas, que são mais do que muito satisfatórias, já nada justifica que o Estado mantenha a proibição dos actos de culto público católico.

O Arcebispo de Paris, Michel Aupetit, reagiu com firmeza e coragem à abusiva intervenção das forças de segurança francesas que, no passado 19 de Abril, interromperam a Missa que o Padre Philippe de Maistre estava a celebrar, à porta fechada, na igreja parisiense de S. André de l’Europe, para apenas seis pessoas. Recusando-se a interromper a Eucaristia, o celebrante recebeu voz de prisão, tendo comentado: “Estão-se a aproveitar desta crise para sufocar novamente a liberdade de culto”. A este propósito, Mons. Aupetit negou que a celebração fosse clandestina: “Não é nada clandestina! Havia Missa porque a Missa se celebra todos os dias […] com o mínimo de pessoas […]. É preciso parar este circo! Eu mesmo celebro Missa todos os dias”.

Lá, como cá, os fiéis católicos têm de continuar a lutar, unidos ao Papa e aos bispos, pela liberdade a que têm direito. Hoje, no nosso país, são milhões os católicos que esperam que lhes seja devolvida quanto antes a Eucaristia dominical, confiando no prudencial juízo dos seus pastores que, também agora, deram um extraordinário exemplo de civismo e leal colaboração com as autoridades públicas.

Os bispos católicos tudo têm feito para pôr termo a esta pandemia e, portanto, quando for levantada a vigente proibição, continuarão a proceder com todo o cuidado que esta delicada situação exige, como aliás estas novas Orientações manifestamente demonstram. Não há melhor exemplo do que o cancelamento, pelo Cardeal D. António Marto, da multitudinária celebração do 13 de Maio, aniversário da primeira aparição mariana, em Fátima, quebrando, pela primeira vez, uma tradição centenária.

Por sua vez, unidos aos seus bispos, os padres e leigos estão também dispostos a cumprir escrupulosamente os critérios estabelecidos nestas Orientações, bem como as medidas sanitárias em vigor. É de esperar que, ante uma tão responsável atitude dos pastores e fiéis católicos, as autoridades públicas correspondam com o imediato levantamento da humilhante proibição que lhes foi imposta.

O Rei Henrique IV de Navarra, para poder aceder ao cristianíssimo trono francês, teve de se converter ao catolicismo, o que fez dizendo: Paris bem vale uma Missa! Se um país vale mais do que a capital de outro, então, Senhor Presidente da República e Senhor Primeiro-ministro, Portugal vale bem uma Missa!