«Em Portugal, nos últimos 30 anos, a participação do setor privado, no sistema de saúde, contribuiu para a melhoria da eficiência no financiamento e na prestação de cuidados de saúde pela competição e cooperação geradas, pela utilização mais racional dos recursos, pela repartição de responsabilidades e pelo aumento da produtividade, pelo incremento da equidade, no acesso, através do aumento da oferta, da maior cobertura geográfica do país, da redução de barreiras de acesso, da redução das listas de espera e ainda pela melhor articulação entre os setores traduzida na melhoria global dos resultados em saúde.»
Esta parágrafo foi retirado verbatim do resumo da tese de doutoramento de Adalberto Campos Fernandes, actual ministro da Saúde. Sintetiza parte do trabalho desenvolvido ao longo do seu doutoramento, que procurou avaliar o impacto da combinação público-privado na provisão de cuidados de saúde em Portugal. As conclusões alcançadas na tese são altamente relevantes para a condução de políticas de saúde em Portugal, e ainda mais numa altura em que parecem aumentar as cedências do Governo às vontades dos partidos que o apoiam.
Os sinais neste sentido são tão abundantes quanto preocupantes. Uma súmula: alegadamente contra a vontade do ministro das Finanças e do ministro da Economia, haverá um aumento na derrama estadual do IRC de 7% para 9%. Esta reversão na política fiscal colide frontalmente com o objectivo de atrair investimento directo estrangeiro. Parece ser o preço a pagar — demasiado elevado — pelo apoio do PCP. Ao mesmo tempo, e por forma a garantir uma maioria na Assembleia Municipal de Lisboa, Fernando Medina parece ter cedido a um outro capricho desta feita do BE, que quer aumentar a taxa turística e limitar o número de novas unidades hoteleiras em Lisboa, incluindo de alojamento local. Recordemos que o grande responsável pelo crescimento do emprego tem sido o sector do turismo, com um crescimento de 18.1% em relação ao ano anterior, superior ao cômputo de todos os outros sectores.
Finalmente, aproxima-se a data de renegociação das PPPs em Saúde, e BE e PCP já deram nota da sua posição de total antagonismo para com o sector privado. Que o Bloco e o PCP o façam não é surpreendente, pois o dogmatismo anti-sector privado é a bandeira da extrema-esquerda; surpreendente seria se o PS, que historicamente nunca foi próximo — bem pelo contrário — dessa extrema-esquerda, alinhasse.
Em contraste com outros sectores, e como já bem explicou o Joaquim Miranda Sarmento na sua crónica no ECO, as PPPs na Saúde foram bem gizadas e negociadas. O mérito a seu dono: o ex-ministro da Saúde Correia de Campos fez um bom trabalho, blindando as PPPs do aproveitamento que ocorreu, por exemplo, nas rodovias. O Estado paga o que é prestado e não um valor contratualizado, e não assume o risco de haver uma quebra na procura. Mais ainda, foram estipuladas condições altamente adstritas ao cumprimento desses contratos-programa, e a violação de qualquer dos indicadores, como por exemplo o tempo de espera, implica o não reembolso parcial ou até total.
Como contraponto, 450 milhões de euros é o número com que o Bloco de Esquerda geralmente acena para criticar a concessão dos hospitais de Cascais, Loures, Braga e Vila Franca de Xira. Em bom rigor, em nenhum dos anos o valor excedeu os 429 milhões de euros, sendo a média cerca 413 milhões de euros por ano. Uma minudência na retórica do Bloco, mas relevante no contexto de um SNS carente de recursos. O número que nunca despertou a atenção do Bloco, mas que é a chave para aferir a racionalidade económica das PPPs, é o que resulta da pergunta: quanto teria custado a prestação desses mesmos serviços, com a mesma qualidade, em hospitais públicos?
A essa pergunta a Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos do Ministério das Finanças respondeu taxativamente: no caso da PPP de Cascais, por exemplo, cerca de 30 milhões por ano. A mais. Ou seja, a mesma operação num contexto de gestão pública teria custado mais 13,6%/ano, acrescendo ainda o facto de o risco financeiro ter sido todo transferido para o sector privado. A unidade do Ministério das Finanças alerta ainda para os riscos de reverter para o sector público, dando um exemplo concreto: o Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul (CMFRS) regressou à esfera pública sete anos depois de uma gestão em PPP, e o efeito foi uma degradação dos resultados.
Na mesma linha, um estudo do ex-presidente da Administração Regional de Saúde do Norte, Álvaro Almeida, revela que a devolução de alguns hospitais da região Norte à esfera das IPSSs, neste caso da Santa Casa da Misericórdia, aumentou o nível de produção e reduziu ainda custos, tendo contribuído para um assinalável aumento de eficiência na prestação de cuidados de saúde.
Não obstante as melhorias de eficiência, a grande mais-valia das PPPs resulta do modelo de governança a que um hospital fica — ou melhor, não fica — sujeito. Actualmente, todos os modelos de gestão pública de hospitais, incluindo o de Empresa Pública Empresarial (EPE), implicam uma teia jurídica de elevadíssima complexidade que gera uma enorme entropia na gestão do sistema. Um simples acto de contratação pode implicar um processo que envolve múltiplas entidades e que decorre ao longo de meses, a correr bem, tendo mesmo de ir a Tribunal de Contas num número não despiciendo de vezes. Como é óbvio, um hospital não pode esperar três meses pela disponibilidade de medicamentos ou de material cirúrgico, pelo que se torna necessário recorrer a subterfúgios legais, incluindo ajustes directos, que o Tribunal de Contas admoesta, mas sabe que evitá-los poderia por em causa a vida dos doentes.
Toda a gestão de recursos humanos torna-se também altamente complexa no modelo público. As contratações estão dependentes do aval da Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS), ainda que o hospital disponha de verba para assumir o compromisso. Por outro lado, torna-se quase impossível dispensar alguém que já esteja nos quadros, inviabilizando restruturações internas. Nada disto sucede com as PPPs. Nesse modelo, a entidade detentora da concessão tem de garantir a boa gestão, sob pena de não ter rentabilidade, mas não está sujeita às infindáveis cláusulas do código da contratação pública e dos contrato-programa. Ao Estado fica apenas reservado o papel de auditor e de financiador, garantindo que o hospital providencia os cuidados devidos com a qualidade estipulada, e penalizando caso tal não aconteça.
Estes bons resultados não implicam que o modelo das PPPs não esteja isento de críticas e não possa ser melhorado, como aliás fez nota disso a UTAP. Contudo, é um modelo que permite uma gestão muito mais atempada e flexível, deixando os administradores hospitalares disponíveis para outras tarefas que não saber como interpretar normas e decretos emitidos todas as semanas — como por exemplo gerir.
Note-se que a existência de PPPs não colide, pelo contrário até reforça, o desiderato constitucional de um Serviço Nacional de Saúde de acesso universal. Por força de uma narrativa puramente ideológica, criou-se a ideia de que um sistema de acesso livre e universal tem de ser prestado apenas pelo sector público, quando assim não tem de ser. O Estado, enquanto financiador, e garantida a prestação, não tem que limitar essa prestação ao sector público, podendo estendê-la também ao sector privado, à imagem do que acontece na maior parte dos países europeus. Em boa verdade, é isso que faz com a ADSE ou com o SIGIC.
Não há, portanto, evidência que suporte reverter o modelo de PPPs em Saúde, restando assim o mero preconceito ideológico. Basear políticas públicas em preconceitos ideológicos pode garantir o apoio de dois partidos que juntos não representam mais de 20% do eleitorado, mas não garante a saúde da população portuguesa. Façamos votos para que o ministro da Saúde coloque a sua tese de doutoramento em cima da mesa das negociações.
Professor da Universidade do Porto, doutorando em economia da saúde