31 de Dezembro de 2022. Bento XVI morreu. Recusara ser hospitalizado.
11 de Fevereiro de 2013. O Papa Bento XVI anunciou a sua decisão de resignar.
Há nestes dois momentos uma sabedoria que não tenho e uma ousadia que invejo.
As sociedades precisam de pensadores como Joseph Ratzinger. Outro assunto é se a Igreja Católica precisa de papas como Bento XVI mas esse não é meu assunto. Voltemos portanto às sociedades e aos povos e ao que defino como a necessidade de espaço para afirmação de uma visão não revolucionária. Esta visão é tão mais urgente quando o discurso sobre o Homem Novo se transferiu dos operários dos desaparecidos países da utopia soviética e do paganismo nazi-fascista para o nosso próprio corpo: as pesso@s de hoje são tão desumanas quanto o Homem Novo do passado.
Passámos da luta de classes para a luta connosco mesmos. Com o nosso corpo. O conceito de impuro, a justificação do apagamento do outro, a reivindicação da reescrita da História estão aí de novo. E, como sempre, a legitimar exercícios sinistros de poder dos donos da verdade e o reforço do intervencionismo estatal.
Sem darmos por isso passámos a viver num estado de revolução permanente: o contrato inter-geracional subjacente aos sistemas de segurança social esboroa-se mas o que conta é erradicar Homero por machismo; obrigámos crianças a vacinarem-se sem ponderar se isso era do seu interesse mas o que conta é que o terceiro género (e porque não o quarto, o quinto, o sexto…?) vai constar dos documentos de um país qualquer.
A apologia do neo-paganismo, agora em torno da salvação do planeta, fecha este círculo que nos aprisiona. Todos os dias as pitonisas nos recordam que ofendemos o planeta, que a Mãe Terra está zangada, que não fizemos o que devíamos.
Como se fossem pretéritos feiticeiros na hora de executar um sacrifício, dizem-nos que para apaziguar o planeta não devemos ter filhos, comer carne, usar electricidade, viajar…
De cada vez que estas vestais irrompem anunciando o apocalipse porque ofendemos a Mãe Terra eu sinto uma falta urgente de alguém que explique esse Deus que se auto-limitou na sua ira perante Adão e Eva não os eliminando como Zeus teria feito. Não é uma questão de fé mas sim de condição humana.
É portanto aqui neste momento em que se sente a humanidade a resvalar para o fascínio pelo Homem Novo e a trocar a visão da transformação pela da erradicação que se sente a falta de quem pense, escreva e debata como fez Joseph Ratzinger.
Quanto a Bento XVI recordo as datas com que comecei este texto:
11 de Fevereiro de 2013, o Papa Bento XVI anunciou a sua decisão de resignar. O homem que dizem ter sido um conservador – e foi – tomou decisões verdadeiramente transformadoras como só os conservadores podem fazer: os revolucionários na sua ânsia de começar de novo esgotam-se na destruição e os reaccionários ficam reféns da imobilidade.
31 de Dezembro de 2022, o Papa Bento XVI morreu. Recusara ser hospitalizado. Esta morte sem prolongamento nem antecipação afirma um exemplo urgente num tempo de gritaria tão vazia quanto ridícula sobre o sermos donos do nosso corpo, que muito humanamente falando é aquilo de que nunca seremos donos.
No início deste texto escrevi: há nestes dois momentos uma sabedoria que não tenho e uma ousadia que invejo. Mas, acrescento agora, que nos fazem falta. A mim, pelo menos.
PS. Quem sabe a morte de Bento XVI leva alguns a pesquisar os jornais de Maio de 2010, mês em que o Papa visitou Portugal. O exercício é ilustrativo da nossa fé nas explicações oficiais: o nosso então primeiro-ministro José Sócrates garantia que o futuro do país estava no investimentos nas grandes obras públicas. Os bancos desmentiam o Financial Times que dera conta das dificuldades de financiamento que a banca portuguesa estaria a experimentar. Garantiam os bancos portugueses aos jornalistas que não tinham dificuldades em aceder ao mercado. Para demonstrar a sem razão da notícia do Financial Times até se dava o exemplo da realização de uma emissão de obrigações por parte do BES no valor de mil milhões de euros dias antes. Já os médicos obstetras estavam a deixar o SNS, particularmente o Hospital Garcia da Orta, mas não por descontentamento, antes por razões de natureza pessoal. Já a austeridade ia chegar mas era imposta por Bruxelas.