Precisamos de investir mais em defesa? O Presidente da República diz que sim. Tendo em conta que Putin trouxe a guerra em grande escala de regresso à Europa pela primeira vez desde 1945 isso parece de bom senso. A maioria dos partidos e o governo parecem concordar, pelo menos em termos genéricos. Contra, temos o Bloco e, de forma mais vocal e insistente, o PCP. Os comunistas há muito que repetem que o problema é o militarismo e o complexo militar-industrial do Ocidente, defendendo implícita ou explicitamente o nosso desarmamento unilateral, com a possível exceção do Arsenal do Alfeite. Já sobre o enorme peso das despesas em armas e o seu uso brutal por regimes como o da Coreia do Norte, da Síria, da Venezuela e outros que tais, nem uma palavra de crítica, pelo contrário o PCP continua a elogiá-los nos seus documentos oficiais em linha com um antiamericanismo tão visceral quanto básico.

Já gastamos demais diz o SIPRI?

Vale a pena, neste contexto, ler um artigo recente de Manuel Loff. A  par das teses habituais sobre o militarismo ocidental, tem um dado novo e interessante. A avaliação anual global dos gastos em defesa pelo Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI) parece mostrar que Portugal até já gasta ligeiramente mais de 2% do PIB em defesa. Todos os Estados Membros da NATO assumiram o compromisso de atingir esse valor até 2024, na sequência da primeira agressão russa contra a Ucrânia, em 2014. Esse número contrasta com as avaliações dos mesmos números pela NATO, em que Portugal fica em torno dos 1,5%.

Porquê a divergência? Para Loff há uma conspiração da NATO e do poderosíssimo complexo militar-industrial português para enganar o bom povo português. Não nego que o SIPRI seja uma instituição respeitável, mas isso não quer dizer que não tenha uma agenda de promoção da paz e de denúncia do que considera serem os excessivos gastos em armamento no mundo. E também não quer dizer que não se possa legitimamente questionar as suas fontes de informação e as opções que tomou na elaboração das suas estatísticas. Por exemplo, que itens inclui no investimento em defesa? Usa PIB real ou PIB nominal? Olha para o orçamento previsto ou para orçamento efetivamente executado? Não consigo responder com a informação disponível. Sei é que Portugal não é caso único. A Espanha, por exemplo, também aparece com uma percentagem de despesa em defesa acima da validada pela NATO. Portanto, ao contrário do que diz Loff, estes números podem e devem ser questionados. Mas independentemente disso há factos relevantes que contrariam as conclusões que ele daí retirou.

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Até a Suécia gasta mais em defesa

Se a única conclusão possível do relatório da SIPRI é que se devia gastar menos em defesa, a Suécia deveria ser o primeiro país a dar o exemplo. Afinal é onde esse instituto está sedeado e onde o seu trabalho é mais conhecido. Mas não há nenhum sinal de que o governo de Estocolmo vá inverter a política anunciada de reforço do investimento em defesa. A Suécia vai gastar, só em 2022, mais 300 milhões de euros para mais rapidamente se rearmar. Também não há qualquer sinal de que Suécia abdique de continuar a ter uma indústria militar muito forte e inovadora. E até sabemos que, primeira vez na história contemporânea deste país, neutro desde 1814, há uma maioria de suecos a defender a adesão à NATO, desejosos de beneficiarem da melhor garantia de segurança coletiva do Mundo, de que Portugal já goza. A Suécia – na NATO ou fora dela – está demasiado próxima da fronteira russa para poder dar-se ao luxo de ignorar a ameaça que cada vez mais armas novas nas mãos de Putin representam para a segurança e a liberdade do resto da Europa.

Renovar capacidades, renovar a economia

Com ou sem NATO, Portugal tinha e tem necessidade de continuar a investir em novas capacidades militares. Inevitavelmente, muitas delas estão a ficar envelhecidas, obrigando a manutenção frequente, e, a prazo, criarão problemas de eficácia. É fundamental, por exemplo, termos novos aviões de transporte miliares, os KC-390, que se espera entrem ao serviço brevemente, aumentando significativamente a capacidade existente.

Loff maldiz a ideia de que o investimento em defesa é um seguro contra todos os riscos e um real contributo para a nossa economia. Mas é incapaz de avançar com factos convincentes para contrariar essa realidade. Como a Covid-19 veio demonstrar, a capacidade logística, de transporte, de planeamento e gestão das Forças Armadas servem para muito mais do que fazer a guerra, e são vitais para responder a emergências. E o KC-390 foi concebido, em parte, por engenheiros portugueses e é, em parte, fabricado em Portugal. Este investimento deu um impulso muito importante à indústria aeronáutica portuguesa na última década, que atualmente emprega dezenas de milhar de pessoas altamente qualificadas e exporta 90% do que produz. Os 1,7 mil milhões de euros de riqueza gerada, só nesse setor, é quase tanto quanto o orçamento anual português para a Defesa. Os drones são outra capacidade nova em que Portugal é deficitário e que deveria ser uma das prioridades no reforço do investimento em defesa, cujo futuro passa por combinar plataformas tripuladas e não-tripuladas. O papel vital de drones armados e de vigilância como niveladores de poder ficou bem evidente no seu uso eficaz pela resistência ucraniana contra forças russas muito superiores. E há outras capacidades que as lições aprendidas com este trágico conflito aconselham a reforçar, modernizar ou adquirir, naturalmente num esforço financeiro responsável que equilibre as várias prioridades nacionais.

É melhor partilhar custos

Portugal não tem um compromisso com o SIPRI, mas prometeu aos seus parceiros na Aliança Atlântica gastar 2% do seu PIB e investir 20% do seu orçamento em defesa em novas capacidades, de acordo com os critérios fixados pela NATO e iguais para todos os Estados Membros. É importante que todos façam um esforço semelhante pois a Aliança permite-nos somar capacidades para melhor afastarmos ameaças mediante um esforço financeiro partilhado e, portanto, mais comportável e eficaz. Ao contrário do que diz Loff, a NATO e Portugal têm todo interesse em atingir efetivamente esse objetivo o mais depressa possível, credibilizando o país e a Aliança. Até este ano Portugal estava próximo da média da NATO em termos de percentagem do PIB investido em defesa. Se ficar para trás isso será notado e irá diminuir a nossa capacidade de influenciar a agenda da Aliança, numa altura em que a tendência será para esta se virar mais para o Leste do continente europeu, mas em que é fundamental termos uma voz credível para, com outros, defendermos a devida atenção ao flanco Sul e à segurança marítima, porque também aí a Rússia tem estado mais presente e mais ameaçadora.