As iniciativas públicas devem ser censuradas quando, distinguindo entre homens e mulheres, acentuam diferenças de forma artificial ou instauram desigualdade de tratamento com base em preconceito ou ignorância (e, infelizmente, acontece com frequência). Mas as políticas públicas devem ser elogiadas quando a diferenciação de género que introduzem se baseia em evidências empíricas e numa estratégia para ampliar o impacto positivo das medidas implementadas. Esta distinção de partida é fundamental para avaliar a recente campanha anti-tabaco da Direcção-Geral de Saúde, alvo de várias críticas de associações feministas. A questão resume-se assim: a campanha foca-se no apelo de uma mãe que adoeceu devido ao consumo de tabaco e que pede à sua filha, a sua “princesa”, que não fume – isto é, que não cometa o mesmo erro que ela cometeu. Perante isto, a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) identificou “estereótipos discriminatórios” e activistas acusaram a campanha de ser “misógina e culpabilizante” para as mulheres. Estão erradas.

Sim, a campanha foca-se em exclusivo sobre as mulheres. Sim, aposta na sua responsabilização enquanto mães. E, sim, utiliza uma linguagem potencialmente discriminatória (“princesa”). Ora, o ponto é que nenhuma dessas opções deriva de preconceito: todas estão alinhadas com as evidências empíricas da investigação na área, no sentido de tornar a campanha mais eficaz e, consequentemente, de aumentar a probabilidade de salvar vidas. E isso faz toda a diferença.

Sabe-se, graças a uma extensa investigação sobre o tema, que as campanhas televisivas têm um impacto positivo na redução do consumo de tabaco, embora modesto, sendo esse efeito mais forte quando a campanha é direccionada a públicos-alvo específicos. Apesar disso, a eficácia é maior nas da população jovem (adolescente e pré-adolescente), adiando ou suspendendo o momento de iniciar a fumar. Sabe-se, também, que as famílias têm um papel fundamental na percepção que os jovens têm das mensagens nas campanhas televisivas – seja no seu reforço ou na sua desvalorização, as atitudes da família são determinantes para o efeito da campanha ser maior ou menor. Por fim, sabe-se que as campanhas mais emotivas (com histórias pessoais) e que estabelecem elos de ligação com o espectador são aquelas cujos efeitos são mais positivos no sentido de reduzir o consumo ou deixar de fumar – em particular junto das populações mais desfavorecidas (que em média fumam mais), atenuando assim as diferenças sociais existentes.

Além disso, o contexto português importa muito. No primeiro trimestre de 2018, venderam-se mais cigarros do que em igual período de 2017 (um aumento de 7,7%). Mais: em 2016, ano em que foram introduzidas as imagens-choque nos maços de tabaco, em cumprimento de uma directiva europeia, o consumo de cigarros aumentou face a 2015 (3,5% no período comparável, pós-introdução da directiva). Ou seja, essa medida foi ineficaz nos seus objectivos. Efectivamente, muitas outras medidas têm sido igualmente ineficazes, incluindo o aumento do custo do tabaco – olhando aos últimos 27 anos, não houve reduções significativas nos consumos globais de tabaco na população portuguesa. Mas houve um pormenor fundamental: enquanto o consumo nos homens está a diminuir, as mulheres estão a fumar mais do que antes.

Assim, o que os dados e a investigação apontam é para a necessidade de, primeiro, ampliar a eficácia das medidas de prevenção e, segundo, dirigir essas medidas para as populações mais em risco. Foi o que a Direcção-Geral de Saúde fez: apontou às mulheres (porque estão a aumentar os seus níveis de consumo de tabaco), optou por uma campanha que tem impacto em faixas etárias mais jovens (para prevenir o início do consumo) e introduziu uma mensagem emocional, pessoal e de incidência familiar (que, conforme mostram vários estudos, aumenta a probabilidade de a campanha ter efeitos positivos). Poderá, eventualmente, ter pisado o risco recorrendo a estereótipos? Possivelmente – é um debate. Mas o ponto que importa é que, se o fez, fê-lo com um propósito de eficácia, seguindo as boas práticas da investigação, e não por preconceito ou discriminações de género. O que equivale a dizer que, se não o tivesse feito, teria sacrificado a força da sua campanha e diminuído o seu impacto.

A conclusão é esta: uma campanha que, com base em evidências e numa estratégia eficaz de comunicação, pode levar a ganhos de saúde das mulheres e, sobretudo, das jovens mulheres, não pode ser qualificada de misógina. Pelo contrário, deve ser saudada, aplaudida e reconhecida. É preocupante que quem se coloca na primeira fila da defesa das mulheres (partidos políticos, activistas feministas e a própria CIG) não o perceba e transforme o seu activismo em perseguições contraditórias, superficiais e contraproducentes. Se as políticas públicas se guiassem pelos seus preconceitos, aí sim Portugal seria (ainda mais) um país de incapazes.

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