Quando as perspetivas apontavam para um ano particularmente intenso na Agricultura com as discussões em torno da revisão da PAC pós-2020, do Quadro Financeiro Plurianual 2021/27 e, sobretudo, do Pacto Ecológico Europeu, com a respetiva declinação para o agroalimentar, nomeadamente, na estratégia “Do Prado ao Prato”, em apenas um mês tudo mudou. No Velho Continente a soberania alimentar enfrenta três desafios fundamentais: o afastamento da opinião pública do Mundo Rural, o comércio internacional num contexto europeu e os desafios políticos de uma Europa a uma só voz. As três estão interligadas.

A saúde é um valor mais premente quando está em risco, também o é a alimentação quando escasseia. O setor agroalimentar, baseado no Mundo Rural, sabe que é importante, mas fora dele, a crescente população urbana desconhece-o, critica-o, e coloca em causa o seu contributo para o equilíbrio social e económico. Argumentos a favor da sustentabilidade ambiental não ponderam, estranhamente, que, com o recurso à ciência, é possível, e desejável, a convivência saudável entre a produção de alimentos à escala necessária e uma atuação ambientalmente responsável. Desta forma, paradoxalmente, contribuem para o aumento do que querem erradicar: o desrespeito pelo ambiente e bem-estar animal e uma concorrência desleal. Senão, vejamos: a tentativa, por vezes conseguida, de eliminação de algumas atividades do agroalimentar na Europa enfraquecem-no e, assim, abrem as portas à importação de produtos mais baratos, oriundos de mercados extracomunitários e que não estão sujeitos às mais elevadas exigências legais e padrões de respeito pelo ambiente, bem-estar animal e direitos dos trabalhadores, como acontece na Europa. A desejável intensificação das boas práticas na produção europeia é, aliás, tanto mais fácil quanto maior for a importância e o valor que a sociedade atribui a este setor. Isso, atualmente, é particularmente relevante.

Sendo certo que a seguir à pandemia teremos uma crise de mercado, é hoje essencial a celeridade da Europa na aprovação de medidas de apoio ao setor, tais como a antecipação de pagamentos das ajudas diretas e as ligadas ao Pograma de Desenvolvimento Rural, os apoios à armazenagem privada ou, ainda, as retiradas de mercado para salvar, no curto prazo, por exemplo, o comércio de leitões e outras carnes, o leite e os frutos vermelhos. Apoios adequados e em tempo útil.

Mas os desafios persistem no médio prazo. É essencial voltarmos a refletir sobre a necessidade de stocks estratégicos (tal como acontece com os produtos petrolíferos), e alargar o prazo de implementação do Pacto Ecológico Europeu, em particular da estratégia “Do Prado ao Prato”. Isso permitirá aos diversos atores a discussão das medidas preconizadas, às empresas a criação das condições efetivas de adaptação para a produção numa economia verde e à própria UE a alocação de um orçamento à altura e na dimensão de todas estas ambições.

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Durante este período de emergência, a indústria da alimentação animal, em particular, não tem parado, contribuindo para que o setor continue a funcionar dentro da normalidade possível, mas da UE é urgente que venha a solidariedade que presidiu à sua constituição, bem presente no Tratado de Roma. A resposta a esta pandemia tem de corporizar esses objetivos e, enquanto aglutinadora de vontades dos Estados-membros, a União tem de ser visível, atuante, ágil, com capacidade de liderança e de falar a uma só voz, assumindo um novo papel junto dos cidadãos e na geopolítica internacional. Este apoio é, também, uma questão de soberania alimentar, e dos valores que defendemos, enquanto europeus.

Por tudo isto, nunca a expressão “somos o que comemos” me fez tanto sentido.

Eng.º Agrónomo, Coordenador dos assuntos de Política Agrícola da FEFAC (Federação dos Fabricantes Europeus de Alimentos para Animais) e Secretário-Geral da IACA – Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais