Estava numa grande loja de departamento com a minha mãe quando a vi no telefone, com um ar muito compenetrado, debatendo uma questão evidentemente relevante com alguém. Aproximei-me e percebi que o interlocutor era meu pai. Achei que eles falavam de alguma questão imobiliária ou talvez sobre o reajuste do plano de saúde, dado o ar tão concentrado de Dra. Maria Eugenia.

Ocorre que entre as expressões ditas na ligação, como “comprar”, “logo”, “resolver” e “o quanto antes”, começaram a destacar-se coisas como “porquinhos”, “pelúcia”, “lobo mau” e “Luísa”. Eu custei a acreditar que aquela conversa com ar tão relevante versava a respeito da compra de brinquedos para a neta de dois anos, cuja história preferida é Os três Porquinhos.

Ela desligou o telefone, eu perguntei se era aquilo mesmo e ela confirmou, orgulhosa e sorridente. Comprou três porquinhos rosados e uma raposa preta de óculos escuros, que faria as vezes de um lobo mau, já que a loja não tinha se preocupado com este detalhe, para o desgosto dos meus pais.

Fiquei pensando nisso, na importância que essas pequenezas adquirem aos olhos dos avós. E não são avós velhinhos ou desocupados, muito pelo contrário. Mas parece-me que a assinatura da escritura de um imóvel poderia competir de igual para igual, em termos de relevância, com uma sessão vespertina de Peppa Pig com leite morno na companhia da neta.

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Tenho a sorte de ter uma avó dessas até hoje, assim como tenho orgulho de ver meus pais desempenhando a mesma figura com excelência. Não sei se concordo com aquela história de que os avós servem para mimar e estragar, prefiro pensar que eles existem para doar-se sem limites.

Com a neta de 13 anos, vejo meu pai permitir que ela escolha as músicas no carro, num volume que nunca facultou para os filhos, chegando a cantarolar Taylor Swift junto à adolescente. Minha mãe pergunta à Rita, no meio da tarde, se ela não quer comer um pãozinho, uma fruta, um iogurte, um cachorro quente, um frango assado, uma spaghetti, um sushi. Excesso nenhum é suficiente.

Com a neta de 7 anos meu pai monta puzzles, joga cartas e assiste a desenhos barulhentos. Minha mãe a acompanha em suas pinturas, leituras de histórias repetidas e em brincadeiras de rainha, com direito a banquetes verdadeiros e trilha sonora.

Com a neta de 2 anos, são ambos acometidos por sorrisos rasgados, a cada vez que ouvem a pequena chamar-lhes. Ela busca-os pela mão, eles sentam-se no chão, espalham brinquedos, cantam músicas antigas, músicas inventadas, músicas ininteligíveis.

Cansam-se, sem dúvidas. As costas reclamam, os braços ficam exaustos, o sono sofre interferências. Ninguém disse que ser avô era fácil. Em raras vezes, esbravejam. Tentam impor disciplina como faziam há 20 ou 30 anos conosco, sem nenhum sucesso. Aquelas crianças só sabem associar aquelas vozes a afeto. Eles poderiam até gritar- embora nunca gritem- que elas seguiriam com aquele sorriso de canto do quem diz “não adianta, eu sei que vocês me amam loucamente”. E amam mesmo, com uma serenidade e uma alegria ímpar. Poucas coisas na vida podem fazer mais sentido do que isso.