Hoje, ninguém sabe o que é o PSD. É um partido do centro? Muitos dizem que sim. É um partido do centro esquerda? O ainda líder Rui Rio situa-se aí e jura que o partido não ganha eleições sem os votos do centro esquerda. Aparentemente, esses eleitores não confiam no PSD mesmo com um líder da sua área política. É um partido de centro direita? Muitos também dizem que sim. Na verdade, os dirigentes e militantes do PSD querem convencer os portugueses que o partido vai do centro esquerda ao centro direita. Como se viu no dia 30 de Janeiro, os portugueses não estão convencidos.
Esta ambiguidade ideológica costuma ser acompanhada por um enorme pragmatismo. Ainda de acordo com muitos dos seus dirigentes, o PSD adopta as políticas que são positivas para Portugal, sejam de esquerda ou de direita. Vamos assumir que a ambiguidade e o pragmatismo funcionaram no passado, mas a questão central hoje é saber se essa mistura funciona no futuro.
No pensamento dominante no PSD, o apogeu da ambiguidade entre o centro esquerda e o centro direita e o pragmatismo das políticas públicas funcionaram durante as maiorias de Cavaco (não foi totalmente assim, mas é uma interpretação plausível). No entanto, na segunda metade da década de 1980 e na década de 1990, o mundo, a Europa e Portugal eram muito diferentes. Foi um período sem grandes debates ideológicos e que assistiu ao triunfo do pragmatismo do centro, desde as maiorias de Cavaco e as vitórias centristas de Chirac, mais à direita, até à terceira via de Clinton, Blair, Gonzalez e Schroeder, mais à esquerda. Dos Estados Unidos à Europa, vivia-se num consenso centrista (as extremas esquerdas falavam do “consenso neo-liberal”), que permitiu ao PSD o luxo do pragmatismo e de não ter que escolher onde estava. De resto, em termos de posicionamento político, o PSD é um caso único na Europa. Foi criado como partido “social democrata” logo após o 25 de Abril; quando Portugal entrou nas Comunidades Europeias, o PSD aderiu ao grupo liberal; e agora está sentado no Parlamento Europeu ao lado dos democratas cristãos e dos conservadores. Foi esta ambiguidade radical que permitiu a muitos no PSD simplesmente afirmarem que o partido estava ao serviço do desenvolvimento económico do país, sem preocupações ideológicas ou doutrinais.
Esse mundo, essa Europa e esse Portugal acabaram, e o PSD não notou. Aliás, para Rui Rio, que ignora absolutamente as questões de cultura e doutrina políticas, seria impossível notar. Muita coisa mudou desde o apogeu político do PSD, durante a década das maiorias absolutas Cavaquistas. No início do século, assistimos aos ataques terroristas nos Estados Unidos e às subsequentes guerras no Afeganistão e no Iraque. Poucos anos depois, tivemos a crise financeira global e a crise da zona Euro. Estas crises sucessivas e as respostas dadas por governos e por partidos políticos levaram a uma radicalização da política e ao regresso das ideologias. A ideologia nunca foi tão importante desde meados do século XX como é hoje.
Em Portugal, as esquerdas perceberam e ajustaram-se mais rapidamente a este novo mundo mais ideológico. A troika e a receita da austeridade viraram o PS à esquerda. Mas a maioria absoluta de Janeiro não levou o PS da esquerda para o centro. As esquerdas radicais juntaram-se ao PS para conquistar a maioria absoluta. Pelo contrário, o PSD ficou parado. Mesmo nos consulados de Durão Barroso e de Passos Coelho, o partido teve grandes dificuldades para combater a radicalização das esquerdas contra o “Iraque” e contra a “troika”. Mas com Rio, o PSD perdeu definitivamente a sua identidade política. Apesar do seu sucesso, o pragmatismo centrista do Cavaquismo já não serve para o século XXI, e Rio nunca soube encontrar um novo rumo.
O regresso da ideologia cativa os eleitores na Europa e em Portugal. Na Europa, tem sido visível desde a coligação das esquerdas em Espanha, até ao Brexit no Reino Unido passando pelo crescimento de partidos populistas e dos Verdes em vários países europeus. Os eleitores portugueses estão também mais abertos a argumentos ideológicos. Hoje em dia a maioria dos eleitores está ligado ao que se passa no resto do mundo e da Europa, e os debates ideológicos chegam a Portugal. Isso foi claro nas direitas com o apelo do Chega e da IL a diferentes eleitorados. Mas também se nota no eleitorado centrista, aquele que oscila entre o PS e o PSD. Rio e os dirigentes sociais democratas cometeram outro erro ao julgar que centrismo significa um discurso não-ideológico. Veja-se o caso de Macron em França. Criou um movimento político centrista mas com uma dimensão ideológica muito forte. Em Portugal, o eleitorado do centro virou à esquerda porque o PSD e Rio deixaram o PS, o Bloco e o PCP imporem a sua visão do que aconteceu em Portugal entre 2011 e 2015. Hoje, a maioria dos portugueses acredita na interpretação das esquerdas sobre a “austeridade”. Mais uma vez, Rio perdeu por falta de comparência. E não podia ser de outro modo. A vontade e o empenho em construir uma interpretação da história exige compromisso ideológico. Foi o que as esquerdas fizeram em relação à “austeridade”, e o que o PSD de Rio nunca foi capaz de sequer começar a fazer. Do ponto da vista da direita, não se consegue defender a herança do governo PSD-CDS de 2011-2015 sem recorrer a argumentos ideológicos. A última campanha eleitoral foi impressionante. Todos os partidos usaram uma linguagem ideológica, com excepção do PSD. Parecia um partido do século XX a fazer campanha no século XXI.
Hoje, o PSD é um partido perdido, sem rumo político, sem orientação ideológica e sem doutrinas. Não sabe para que eleitores fala, não consegue explicar as políticas públicas que defende, desistiu de defender a sua história recente, e nem sequer sabe quem são os seus principais adversários (o PS ou o Chega?), nem quem são os seus principais aliados (o PS, a IL ou o CDS?). A identificação de aliados e de adversários é o primeiro passo da vida política. Como é que o PSD pode crescer se não sabe o básico e o essencial? Se o PSD quiser voltar a ser um grande partido, terá que encontrar uma identidade, uma orientação ideológica que sirva como um guia para as políticas públicas e um posicionamento partidário que faça sentido. Duvido que neste momento o partido esteja preparado para esses debates e que haja algum dos candidatos à liderança que entenda os grandes desafios que o PSD enfrenta. Espero estar enganado, mas estou muito pessimista em relação ao futuro do PSD. Parece-me que o partido precisa de um grande trabalho de educação política, cultural e histórica.