“A confirmarem-se as mais recentes previsões de outono da Comissão Europeia, 2024 ficará para a história como o ano em que a Roménia — outrora o mais pobre dos atuais 27 Estados-membros — ultrapassará Portugal no ranking de desenvolvimento económico da União Europeia (UE).” Há 22 anos, no ano 2000, Portugal era três vezes mais desenvolvido do que a Roménia.

Estávamos nós no nosso habitual estado de indignação cósmica – desta vez era o Qatar que nos arrebatava: o Presidente garantia que ia ao Qatar falar dos Direitos Humanos; o primeiro-ministro anunciava ir ao Qatar como se não fosse ao Qatar e, pasme-se, até o ministro da Cultura veio fazer prova da sua vida incógnita anunciando (sem rir, tanto quanto sei) que não vai ao Qatar – quando a Roménia veio desmontar a tenda da grande ilusão: “Os romenos deverão ascender ao 19º lugar deste ranking, com o PIB per capita a convergir para 79% da média europeia. Os portugueses voltarão a cair, para 20º lugar, com um PIB per capita equivalente a 78,8% da média europeia. Os romenos aderiram à UE em 2007, já os portugueses somavam duas décadas de integração europeia e três grandes quadros de apoios comunitários para impulsionar a convergência com a Europa mais desenvolvida.”

Em 2022, a Roménia está a desfazer as ilusões do nosso crescimento tal como anos antes estraçalhara outra das nossas crenças: a do socialismo tolerante. Uma crença particularmente viva em Portugal, o país que em Outubro de 1975, ou seja em pleno PREC, recebeu com pompa e veneração a visita de Ceausescu e da mulher. O casal presidencial romeno foi instalado no Palácio de Queluz. Os hábitos autocráticos da comitiva romena causaram algum desconcerto nos bastidores mas nada que comprometesse o enorme deslumbramento que rodeava aqueles representantes do que se considerava e dizia ser uma sociedade quase perfeita. Quando em Dezembro de 1989 o comunismo caiu na Roménia tornou-se evidente que a versão idílica deste país, que tanto inebriara o Ocidente, não passava de uma grotesca mentira: tudo era pavoroso desde a execução de Ceausescu e da mulher, à pobreza da população e às imagens aterradoras dos orfanatos cheios de crianças.

Agora, em 2022, a Roménia vem mostrar-nos como continuamos a correr atrás de ilusões. Só que agora as ilusões não estão lá longe, nessas terras em que os amanhãs cantavam, mas aqui. Aqui, nos slogans com que mascarámos a nossa crescente mediocridade: era o SNS que era o melhor do mundo; a escola pública que estava ao nível das melhores, senão nos resultados, pelo menos nas intenções; a segurança que era inquestionável; a democracia, pelo menos exemplar…

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Agora que os slogans, quais varinhas de condão sem feitiço, não funcionam, chegou o momento de criar factos, que é como quem diz, anunciar mais conquistas. Invariavelmente conotadas com o progresso, estas auto-denominadas conquistas têm como função não resolver os problemas mas sim criar ruído em torno deles (e também dar empregos a uns comissários, mas esse é outro assunto). Veja-se o caso da badalada taxa rosa. Em termos práticos a coisa conta-se assim: o PAN conseguiu que o PS incluísse no Orçamento do Estado de 2023 um estudo sobre as diferenças de preço que os compradores masculinos e femininos enfrentam ao comprar produtos com características semelhantes. Estão portanto o PAN e o PS preocupadíssimos com a diferença de preço dos desodorizantes, pois se tiverem escrito Homem serão mais baratos do que se tiverem escrito Mulher. Outra questão que atormenta estes dois partidos é o facto de as lâminas descartáveis cor-de-rosa serem mais caras que as outras (porque entenderão o PAN e o PS que são apenas as mulheres quem compra as lâminas cor-de-rosa?) Ora ao mesmo tempo que se anuncia este estudo, este problema, esta discriminação (leia-se necessidade de regular, de legislar, de proibir…) na temática crucial das lâminas cor-de-rosa, as grávidas portuguesas vêem ser-lhes negadas as mais elementares condições de segurança: não só os blocos de partos passaram a funcionar de forma irregular como se equaciona dificultar o acesso das mulheres às urgências de obstetrícia, ginecologia e bloco de partos, alegando-se que as grávidas usam muitas destas consultas de forma indevida, o que assim dito é uma barbaridade. (Como é que uma grávida sabe se está ou não a ir indevidamente à urgência e se não indo pode ficar à espera que o centro de saúde abra e aí seja observada – sabe-se lá quando! – numa consulta onde muito provavelmente não vai estar nenhum obstetra ou ginecologista?)

A insegurança crescente que rodeia a gravidez e o parto é um tema gravíssimo mas por isso mesmo aquilo que o governo quer que discutamos é a parvoíce da taxa rosa sobre as lâminas e os desodorizantes e também o “impacto da menstruação na saúde e na qualidade de vida em Portugal”, assunto que será objecto de um estudo (outro!), este da iniciativa do Livre. Acabaremos a discutir o espirro numa perspectiva de género. Quanto à realidade dos partos propriamente ditos é que não.

Haverá sempre um assunto da agenda progressista a ser atirado para a praça pública no momento em que a realidade expõe o falhanço da governação socialista: as carruagens da CP estão sobrelotadas, as estações transformadas em urinóis e as perturbações de circulação são constantes? Nada como anunciar o fim do planeta, o fim do uso do automóvel e obviamente mais estudos. Neste OE o Governo comprometeu-se a estudar a mobilidade “flexível, polivalente e ecológica”. Coisa que em si mesma não quer dizer nada mas anima muito, sobretudo se tivermos em conta que nesta semana que agora começa já temos uma greve da CP anunciada, veja-se lá a coincidência, para a véspera do feriado.

E como iremos nós discutir a intervenção de António Costa e de Mário Centeno no processo de venda do Banif quando, como veio anunciar o “ministro da Cultura que diz que não vai ao Qatar apesar de ninguém contar que ele fosse”, temos a temática da devolução de património às ex-colónias?

Não interessa o que se discute. O que importa é que não se discuta a verdadeira taxa rosa ou seja aquilo em que o PS transformou Portugal. E que é estarmos a ficar para trás. Valha-nos a Albânia, que a prosseguirmos neste caminho também nos passará à frente.