Saiu há 15 dias um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos que concluiu que, em Portugal, os cidadãos toleram menos a corrupção do que os políticos. Ou seja, no nosso país, há mais políticos desejosos de serem corrompidos do que cidadãos com vontade de corrompê-los. A oferta de governantes à venda é superior à procura de interessados em adquiri-los. Significa que o corrupto está mais barato.
Não deixa de ser reconfortante, no momento em que vivemos uma crise inflacionária, saber que há um mercado em que os preços não só não sobem, como até estão a descer. “Deflação na corrupção”, aí está um slogan para o governo pôr em cartazes.
Portanto, se o leitor precisa de um carimbo para desbloquear um processo de licenciamento na câmara, se pretende candidatar-se a um fundo europeu ao qual não tem direito ou se necessita de uma lei que lhe dê uma borla fiscal, este é o momento de ir ao mercado. O que não falta são fornecedores. Pode, inclusive, aproveitar o Natal e dar corrupção como presente. Compra um político, mas oferece-o a um amigo. Um cheque-cunha, para ser usado numa moscambilha que seja precisa. Dá sempre jeito. E nada diz “gosto de ti” como um vale-falcatrua.
Por acaso, tenho curiosidade: com esta baixa de preços, a quanto estará agora um Sócrates? Segundo a acusação, Ricardo Salgado teve de gastar alguns 20 milhões de euros para o adquirir. Aposto que está muito mais em conta. Com menos, mercadeja-se muito mais. Cheira-me que, a valores de hoje, Sócrates não arrecadaria mais que 500 mil fotocópias pelos seus préstimos.
Aliás, o Banco de Portugal devia prever essa rubrica no seu boletim mensal: qual o preço do cabaz de corruptos? Quanto custa a um contribuinte, ao dia de hoje, subornar um presidente de uma câmara média, dar umas luvas a um deputado, corromper um secretário de Estado e ter um ministro no bolso? As necessidades básicas, portanto. Qual a variação face ao período homologo? Qual a evolução do preço de um membro do Governo? E previsões para o próximo trimestre? Em 20 anos, de certeza que o dinheiro sujo esticou e dá agora para aliciar muito mais gente. O corruptor português hodierno tem de andar com um daqueles blusões de montanhismo, cheios de bolsos, para poder acomodar tantos políticos.
Por um lado, é positivo. A corrupção democratizou-se e está ao alcance de qualquer cidadão, não apenas dos ricos – que ficam maçados por verem o povo ter acesso aos mesmos serviços ilícitos. Passou-se o mesmo quando qualquer um passou a andar de BMW. Deixou de ser especial. Por outro lado, é má notícia para políticos vendáveis, que sofrem com a concorrência dos demais corruptos. Se não querem ser encostados, têm de modernizar a forma como comercializam a sua dignidade. Alguns vão ficar para trás, claro. Provavelmente, os que insistem em fazer a coisa à antiga, com envelopes em dinheiro em parques de estacionamento. Vão sobreviver os que instalarem o Mbway e criarem uma app cheia de informação, que mande notificações a lembrar que é preciso untar as mãos esta semana. Para já, com este excesso de oferta, talvez fosse boa ideia fazer uma Uber da corrupção, uma Suberno, para ser mais fácil seleccionar. É mais simples escolher um corrupto se ele tiver as classificações de corrupções antigas.
É que uma pessoa fica ansiosa, tanta é a escolha. Um cidadão que se queira iniciar na corrupção activa não sabe para onde se virar. Quer abrir os cordões ao saco azul e não consegue decidir-se. Por exemplo, só no último mês falou-se de Miguel Alves (o adjunto de António Costa) e o Centro Transfronteiriço; da Operação Teia; da empreitada imaginária em Penamacor; da Operação Tempestade Perfeita; do marido da Ministra Abrunhosa; da acusação a Manuel Pinho; das acusações ao juiz Rangel; e de mais algum caso que agora me escapa e não estou com grande pachorra para procurar. Se a corrupção não é a maior indústria portuguesa, à frente do calçado, é só porque ainda não se lembraram de subornar alguém da instituição que organiza esses rankings.
Mas a verdade é que, mesmo sendo um país muito competitivo nesta área, as desilusões acontecem. Passou-se agora mesmo no Catar. Como se não bastasse o Messi ter ganho o campeonato do mundo, sobrepondo-se assim ao Ronaldo na disputa sobre qual dos dois é o rei, também soubemos que as autoridades cataris escolheram subornar uma eurodeputada grega, em vez de optar por um dos muitos estupendos vigaristas que nós temos aqui, gente capaz e cheia de vontade de trabalhar, aliás, fazer um trabalhinho. É um rude golpe na lusa auto-estima. Não merecíamos isto. É preciso dar a volta. E não será difícil. Basta descobrir a quem é que temos de pagar para sermos considerados os melhores corruptos do mundo.