Quer no ano passado quer no anterior, alertei para os perigos de um aumento do salário mínimo substancialmente superior ao aumento da produtividade. Como quase todas as pessoas reconhecem, aumentos do salário mínimo têm prós e contras. A questão é saber quando é que os contras são mais fortes que os prós. Para alguém ideologicamente próximo de mim, a principal vantagem de um salário mínimo elevado é a distribuição de rendimento que é feita a favor dos trabalhadores. A principal desvantagem é que o tiro saia pela culatra e se prejudique precisamente os grupos que se pretendam beneficiar, nomeadamente trabalhadores pouco qualificados. Isso poderá acontecer se o aumento do salário mínimo tiver como efeito perverso o aumento do desemprego. Foi para esse perigo, baseado em alguns indicadores que sugeriam que o salário mínimo em Portugal já seria artificialmente elevado, que alertei nos últimos anos.
Como é natural, por diversas vezes fui confrontado com as minhas previsões erradas. Em poucos anos, o salário mínimo aumentou substancialmente (de 480 para 557€) e o desemprego não parou de cair, situando-se actualmente entre os 8 e os 9%, quando há uns anos chegou a estar nos 17%.
A minha reacção, num primeiro momento, foi a de dizer que não tinha feito nenhuma previsão. Limitei-me a alertar para os riscos. E dizer que há o risco de o desemprego aumentar não é o mesmo que dizer que o desemprego vai aumentar. Aliás, se alguma previsão fiz, foi a de que o desemprego até iria descer, apenas não desceria tanto. Ou seja, em rigor, não errei nenhuma previsão.
Esta discussão fez-me lembrar outra, de há uns anos, quando os Bancos Centrais recorreram a medidas não convencionais para injectar liquidez nos mercados, com o objectivo de estimular a economia. Na altura, houve três correntes principais. Havia os que defendiam esta política monetária não convencional como sendo essencial, havia os que achavam que não fazia nem bem nem mal, pelo que também não custava tentar, e havia aqueles que alertavam para os perigos de a inflação disparar. Havia mesmo quem alertasse para o perigo de os Estados Unidos enfrentarem uma situação de hiperinflação.
Uns anos depois, quando confrontados com os seus alertas não verificados, também estes economistas argumentaram que não tinham previsto uma subida da inflação. Tinham apenas alertado para o risco de tal ocorrer. Na altura, tive a sensação de que se tratava de desculpas de mau pagador. Se alertavam para os riscos de a inflação disparar por causa das injecções de moeda, e, se depois de uma quantidade de injecções sem precedentes, a inflação pouco aumentou, no mínimo têm de ficar na dúvida sobre se estariam a raciocinar bem. Idealmente, dedicar algum tempo a perceber por que motivo erraram.
Foi ao lembrar-me deste debate que me apercebi de que estava a cometer o mesmo erro. É verdade que eu não disse que o desemprego ia aumentar. É verdade que eu disse que ia descer, mas também é verdade que o desemprego desceu muito mais do que eu esperava e que, até prova em contrário, não há motivos para considerar que o desemprego fosse sensivelmente mais baixo se o salário mínimo se tivesse mantido. Assim, para todos os efeitos relevantes no debate público, eu estava enganado. O desemprego desceu bastante, a redução do peso dos salários no rendimento nacional foi estancada, pelo que fico satisfeito com não me terem dado ouvidos.
Ainda não percebi o motivo do meu erro. Não compro a ideia de que o aumento do salário mínimo tenha aumentado a procura interna que, por sua vez, teria aumentado a procura de trabalho. Os dados conhecidos não me parecem suportar essa tese. Infelizmente, até há bem pouco tempo, apenas havia dados detalhados fiáveis para o mercado de trabalho até 2012. Neste momento, já existem dados até 2015. Teremos de esperar mais uns anos para perceber o que se passou. Para já, João Cerejeira, num artigo no Jornal de Negócios, deu algumas pistas que deverão ser estudadas e lança também alguns alertas. Voltarei a este debate. Num futuro artigo.
Post Scriptum — Fico contente com o a reacção do Presidente às mudanças à lei do financiamento dos partidos, devolvendo o diploma à Assembleia. Os nossos líderes políticos deviam ter mais cuidado. Quando se vêem deputados e responsáveis partidários a mentir descaradamente — por exemplo, ao dizer que o alargamento da isenção do IVA não se traduz num maior financiamento público aos partidos ou ao afirmar que a lei não tem efeitos retroactivos —, o populismo barato torna-se a única saída.