1- Impõe-se pela natureza das coisas, que a primeira história (pouco) exemplar de verão seja a festa social democrata do Pontal, que, desta vez, teve como protagonista não o líder da oposição — embora houvesse quem o identificasse ainda nesse papel — mas o actual primeiro-ministro, Luís Montenegro, que aproveitou a oportunidade para transformar o comício partidário numa espécie de “show” do governo.

Em vez da conferência de imprensa com os porta vozes do Conselho de Ministros em S. Bento, surgiu Montenegro, em mangas de camisa, no calor da noite da Quarteira, a anunciar um “brinde” para os pensionistas menos favorecidos, um novo passe ferroviário a custo módico, e mais vagas em cursos de medicina, algo que os bastonários da Ordem contestam por norma. E não faltaram os jornalistas nem os ecos mediáticos para “premiar” os anúncios feitos.

Houve quem comparasse Montenegro a António Costa (como escreveu João Miguel Tavares), um chefe de governo que, à falta de melhor, se revia nesses “números” pensados para cativar clientelas, e lhe recomendasse o meio termo, entre o megalómano e o pífio.

Cavaco Silva, por exemplo, quando chegou a primeiro-ministro, cultivou, austero, uma separação de poderes, distanciando-se tanto quanto podia do partido e limitando-se aos mínimos.

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Não parece ser essa a opção de Montenegro, nem tão-pouco foi a de António Costa, que baralhava amiúde as funções, como hoje continua a fazê-lo, apesar da cadeira que vai ocupar em Bruxelas.

Nesse registo, a festa do Pontal, tornou-se, portanto, por força  dos “mimos” anunciados, um sarilho para as oposições, tanto à esquerda como à direita, que reagiram, primeiro, cautelosamente, através de actores secundários (excepto o PAN, talvez por falta de alternativa…), para poupar os principais.

Mas Pedro Nuno Santos não se fez rogado e reagiu célere, com aquela eloquência e elegância de estilo que lembraram outros tempos, quando ameaçava “fazer tremer as pernas dos banqueiros alemães”.

Farto de ser interpelado sobre o Orçamento de Estado que ainda ninguém conhece, pediu para que “não chateiem o PS”, por que o partido recolheu à oposição e, nesse enquadramento, “não apresentaremos propostas sem antes conhecermos a realidade das contas públicas nacionais“. Faz sentido.

Tal como Montenegro em relação ao Chega, Pedro Nuno também definiu as suas “linhas vermelhas” perante o governo. Está dito e agora não “chateiem“ mais o partido… É justo.

Antes de Pedro Nuno vir à liça, a reacção socialista mais divertida foi a de Alexandra Leitão (que acumula a chefia da bancada parlamentar do PS com a função de porta voz regular do partido, possível candidata à sucessão do líder — e a primeira-ministra — e, ainda, com a de comentadora televisiva), que lamentou “a situação de quase descalabro na Saúde”.

Felizmente, a ex-ministra (que se distinguiu ao defender ardorosamente a escola pública, enquanto as filhas frequentavam uma escola privada de elite, para terem “um currículo internacional”), acrescentou um simbólico “quase” ao descalabro do SNS, sem corar de pudor, nem lhe acudir que esse caos foi gerado e instalou-se em oito anos de governação socialista, com todo o seu cortejo de urgências fechadas ou saturadas — as obstétricas e outras —, além de cirurgias e consultas adiadas.

Sejamos sérios: os problemas estruturais do SNS não nasceram com o actual governo. Não estão resolvidos, longe disso. Nem podiam estar.

O grande descalabro da Saúde pública não se deve a Montenegro, mas aos governos de António Costa, de que Alexandra Leitão fez parte, agravado pelos complexos ideológicos de Marta Temido, hoje uma risonha eurodeputada, que gozou da cobertura política do ex-primeiro-ministro, durante o “tirocínio” deste para presidente do Conselho Europeu.

Sem a cegueira ideológica de Temido — que liquidou, inclusive, as parcerias público-privadas que funcionavam bem —, e se tivesse havido uma conjugação de esforços entre os sectores público, privado e social das misericórdias, talvez se evitasse a situação-limite em que estamos, e que tantas vidas já custou.

A degradação continuada da Saúde pública, forneceu, aliás, o ensejo a Luís Marques Mendes para defender um “pacto de regime” entre o PS e o PSD nessa matéria.

Marcelo Rebelo de Sousa, embora sem discordar das vantagens, ressalvou que esta não seria a melhor altura, preconizando a necessidade de estabilizar primeiro um plano de emergência.

Compreende-se a prioridade presidencial, e só isso explica que Marcelo tenha interrompido as férias algarvias para “dar o braço” a Montenegro numa visita ao Hospital de Santa Maria.

Entretanto, já se percebeu que a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, faça o que fizer, será sempre o alvo preferencial do PS e dos media alinhados.

E por uma razão elementar: o PS de Pedro Nuno Santos tem hoje a clara noção de que precisa de “reverter”, a seu favor, o descontentamento com o desastre em que o seu partido afundou a Saúde pública, tal como o PS de António Costa conseguiu “apagar da história” a bancarrota do (des)governo de José Sócrates.

A estratégia (bem-sucedida…) baseou-se num modelo básico, que consistiu em transformar Pedro Passos Coelho no “mau da fita”, culpando-o pela austeridade que, de acordo com o “catecismo” socialista, ia muito além das exigências da troika.

É a mesma fórmula que o PS tenta agora aplicar ao governo de Montenegro, como se tudo estivesse hoje pior nas urgências hospitalares e nos serviços do que há um ano com o governo socialista.

Por este andar, se Montenegro não se cuida, ainda acaba suspeito de ser o grande responsável pela ruína dos hospitais públicos, herdada da governação socialista.

Quanto a Marcelo intuem-se as suas cautelas ao visitar o Hospital de Santa Maria para “perceber o que se está a passar”, evitando validar, para já, a ideia do tal pacto interpartidário na Saúde. “Tentador”, mas…

Convirá recordar, a propósito de “pactos de regime” — um refúgio para emoldurar inações —, que já em 2016, na abertura do ano judicial, Marcelo advogava um pacto na Justiça que ficou no “tinteiro”, com o corporativismo judicial pouco interessado em mudanças. E “gato escaldado”…

2. A segunda história (pouco) exemplar é o recorde de funcionários públicos, quase a atingir os 750 mil, depois de minguarem durante o tempo da troika para pouco mais de 600 mil, recuperados em larga medida por António Costa, que apostou forte na valorização dessa “guarda pretoriana” eleitoral.

O certo é que tanto a administração central como local passaram a funcionar pior, devido ao elevado nível de absentismo, e ao exagero do teletrabalho, que progrediu durante a pandemia e se enraizou, ao ponto de comprometer o funcionamento normal até das Lojas do Cidadão.

Note-se que o funcionalismo “engordou”, significativamente, desde o 25 de Abril, apesar da intensa informatização dos serviços, que tem vindo a mudar a relação do cidadão com o Estado.

Nas suas intervenções cirúrgicas, Cavaco Silva referiu, por mais do que uma vez, o “monstro”, sobre o qual escreveu um artigo demolidor, publicado no já longínquo ano 2000.

O “monstro“ envolvia o crescimento imparável da máquina  burocrática do Estado, da despesa e do défice e foi generosamente alimentado, atingindo hoje o volume e a expressão que se conhecem.

Pelos dados disponíveis, o “monstro” veio para ficar e não vai facilitar a vida a Montenegro.

Mais gente, não garante, por si só, a melhoria no funcionamento da administração pública, cuja oferta continuou precária. E não obstante as regalias dos servidores do Estado — desde a garantia de emprego ao horário das 35 horas, até ao salário total médio, que subiu 8,4% –, a realidade é que as deficiências não foram superadas e constituem um entrave ao desenvolvimento.

Nas Lojas do Cidadão reapareceram as filas e as madrugadas para obter uma senha de atendimento presencial em algumas áreas e o que dantes era simples tornou-se complicado. A degradação dos serviços vulgarizou-se para desespero dos utentes. Corrigir e inverter esse plano inclinado é absolutamente prioritário.

3. A terceira história (pouco) exemplar pode encontrar-se no relatório de uma auditoria feita ao Ministério do Ambiente, cujos resultados são arrasadores, mencionando, ao que foi noticiado sem desmentido, falhas nos registos dos imóveis do Estado, dívidas de milhões, ocupações indevidas por terceiros, sem um sistema de controlo adequado,

Pelo menos são essas as conclusões a que chegou a Inspecção-Geral de Finanças (IGF), que  caracterizou, de uma forma negativa, a gestão feita pelo Ministério no que respeita aos seus imóveis.

A análise focou-se num período de governação socialista, entre 2020 e 2022, quando João Pedro Matos Fernandes era o titular da pasta.

Nos pressupostos que determinaram a auditoria, pretendia-se apurar se essa gestão dos imóveis do Ministério do Ambiente era “efectuada de forma eficiente, regular e racional”.

No relatório, homologado no final de julho pelo actual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, percebe-se que não.

Ou seja, pouco falta para o património do Estado andar ao “Deus dará”, sem que o Ministério tenha uma noção mais exacta dos imóveis sob a sua alçada, revelando a auditoria da IGF insuficiências na qualidade dos registos, “não reflectindo a situação integral e actual do património imobiliário do Ministério, apresentando erros e omissões”.

Para maior espanto, as falhas do Ministério do Ambiente na gestão do património – hoje tutelado por Maria da Graça Carvalho –, não se ficam pelas dificuldades em identificar o número de imóveis. Mesmo nos imóveis inventariados, segundo a IGF, o uso feito está longe de seguir as melhores práticas.

Depois, somam-se dívidas de milhões “por não pagamento do princípio da onerosidade” – ou seja, por ocuparem imóveis pertencentes à tutela de que fazem parte. As dívidas mais antigas têm 10 anos.

Este relatório da IGF se, por um lado, é revelador da confusão  em alguns sectores do Estado, por outro constitui mais uma achega para, retrospectivamente,  se ter uma ideia próxima da barafunda instalada nos governos de António Costa, que actuavam na base do marketing político e da imagem, descurando a coordenação  funcional  e os ajustamentos necessários.

Atropelavam-se, por isso, em S. Bento, junto do ex-primeiro-ministro, e nos vários ministérios, os conselheiros e os assessores, enquanto se “varriam para debaixo do tapete” os verdadeiros problemas.

O “estado da Nação” ressentiu-.se e ainda se ressente. E não basta um comício no Pontal para resolver as pendências.

Montenegro precisa de desmontar o testemunho recebido de Costa, no qual se incluem, além dos fracassos na Saúde, na Educação, na Justiça ou na Segurança, outras ramificações de perigoso desleixo e de negligência, que pasmam pela incompetência e falta de sentido de Estado. E deixar-se de seguir as “acrobacias” do seu antecessor e os seus “brindes” oportunistas.

4. A quarta história (pouco) exemplar respeita ao novo PS de Pedro Nuno Santos, que se anuncia na “rentrée” política balizado entre o “regresso” de António Costa à Academia Socialista e a estreia de Augusto Santos Silva — um homem da velha cepa trotskista —, no Fórum Socialismo do Bloco de Esquerda.

Para espanto de muita gente, Santos Silva — ex-ministro de várias pastas, ex-deputado e ex-presidente do Parlamento —, não resistiu ao convite dos bloquistas, para intervir no Fórum, que assinalará o recomeço da actividade política do partido de extrema esquerda.

Para Santos Silva será um regresso às origens, havendo quem considere que é um sinal de que ainda não desistiu de ser candidato do PS a Belém, e que está longe de cumprir a sua promessa de terminar a carreira na Academia (não na academia de verão do PS, mas na Universidade do Porto, onde deu aulas…)

Curiosamente, Santos Silva aceitou como tema para falar aos militantes e adeptos do BE… “o combate à extrema direita”. Ou seja: os extremos tocam-se… num reencontro de “amigos de peito”…