A relação dos contribuintes com o Fisco nunca foi fácil, tendo tido sempre associada uma áurea de negatividade, de desconfiança e até temor. Por um lado, trata-se de uma relação em que há lugar a pagamento sem contrapartida imediata e, por outro lado, a relação é desigual: o Estado tem manifestamente mais poderes e meios e, em caso de divergência ou litígio, para proteger os seus direitos, o contribuinte tem de passar por uma penosa via sacra, complexa e normalmente muito morosa, tanto nas vias administrativas, como nos tribunais. E, claro, foi, entretanto, obrigado a adiantar o pagamento do imposto.

Na última década e meia foi visível um esforço da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de se aproximar dos contribuintes. Foram disponibilizados meios eletrónicos de comunicação (e-balcão), passaram a ser enviados e-mails recordatórios das obrigações fiscais e melhorou-se as informações disponibilizadas no Portal das Finanças e pelas linhas de apoio telefónico, bem como a qualidade das instalações físicas. Também em alguns impostos é notória a maior rapidez nos reembolsos, como é o caso do IVA e do IRS, nomeadamente fora dos casos litigiosos. Mas nem assim a perceção do contribuinte melhorou.

A explicação estará, porventura, no facto de, apesar de a AT ter efetivamente procurado melhorar a relação com os contribuintes, o investimento que fez nesse âmbito é infinitamente menor do que aquele que fez na melhoria das suas forças de cobrança. Basta ver a rapidez das liquidações de imposto, da instauração das execuções, das penhoras eletrónicas, do cruzamento de informações e deteção da fraude por via dos controlos de faturas e circulação de mercadorias, por exemplo.

Estas melhorias no âmbito da atuação da Autoridade Tributária, aliás positivas para o país, foram feitas muito à custa da criação de mais obrigações para os sujeitos passivos, obrigados a alterar (e a custear), no caso das empresas, os seus sistemas informáticos, a alocar pessoas a um crescente número de obrigações declarativas e, no caso dos particulares, a apresentar ainda mais declarações e a validar faturas.

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Mas o que mudou com a pandemia? Que lições pode o Fisco tirar da mesma em prol da relação com o contribuinte?

A primeira é que ficámos a perceber que é possível desburocratizar ainda mais e que faltava dar esse passo firme apesar das plataformas existentes. Que, afinal, se pode generalizar o atendimento à distância – e não falo do e-balcão, mas sim do correio eletrónico – para tratar desde a questão mais simples (o esclarecimento de uma dúvida), até ao processo sucessório ou ao pedido de uma isenção ou de uma simples certidão. A lei já o admitia, mas não era uma prática massificada ou incentivada e, quando utilizada pelo contribuinte, implicava uma longa espera na resposta por parte da Autoridade Tributária.

Também ficou claro que é possível agendar o atendimento presencial, nas questões em que é absolutamente necessário, diminuindo drasticamente as filas e a presença nos Serviços de Finanças. Também por via das regras especialmente criadas no âmbito da Covid-19 passou a ser possível prescindir da apresentação de documentos originais, valendo as cópias digitalizadas. E tudo isto sem que o Estado perdesse os seus poderes de fiscalização e controlo, porquanto a maturidade da relação reside precisamente na agilização da resolução de problemas, responsabilizando o cidadão pelo que declara, dotando depois o Estado de poderes de verificação e, em caso de infração, de sancionamento. Mas não se pode proteger o interesse do Estado em fiscalizar com mais facilidade ou de detetar comportamentos abusivos à custa de uma carga burocrática imensa que impacta muito negativamente na economia, o caminho terá de ser outro.

Manter estas possibilidades efetivas, alargando-as até, possibilitando este novo modo de relacionamento com a Autoridade Tributária resolverá os problemas todos? A resposta é certamente negativa e, provavelmente, a Autoridade Tributária vai continuar a ser vista com desconfiança pelo contribuinte. Mas sem dúvida melhorará o relacionamento, promovendo uma atitude positiva quanto ao cumprimento das obrigações fiscais e assim talvez fiquemos mais perto da desejada maturidade fiscal.