Não se fala de outra coisa senão que estamos na quarta ou quinta onda da pandemia provocada pelo SARS-coV-2. No entanto, qualquer leigo olha para um gráfico que apanhe toda a pandemia para constatar que apenas existiu uma vaga: aquela que começou em Outubro de 2020 e se prolongou até Fevereiro de 2021.

Casos acumulados a 14 dias para toda a pandemia

Desde o princípio desta crise que as autoridades se colocaram nas mãos dos chamados especialistas. É claro que, perante o desconhecido, o poder político tinha de se apoiar em alguém. Mas uma coisa é ter apoio e suporte científico, outra é colocar nas mãos dos cientistas o poder executivo. Não deixa de ser risível a actual postura do Presidente da República que põe na gaveta aquela que foi a sua acção durante 14 meses (mas podemos, se quisermos, acreditar que demorou a entender).

Para quem já assistiu às conferências dos políticos com os especialistas, uma certeza deve ter retirado: é que ninguém tem certeza de coisa alguma. Para uma boa tomada de decisões, começa-se por tomar uma: escolher quem vamos ouvir. Ouvir todos e mais algum não é sistema. O poder executivo não tinha, nem tem, de perceber de uma matéria deste tipo. Tem de existir alguém que depure a informação e a apresente a quem não tem formação específica.

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Ora, o que tem acontecido – e também nos media – é uma cacofonia de informação. Dou estes exemplos: Miguel Pinheiro, director do Observador, na TVI24 no dia 15/6 questionava por que razão não se estão a vacinar 100 mil pessoas por dia e por que se estava tão longe desse objectivo. Ora, a verdade é que não estamos. Razão do erro: uma coisa é contar as pessoas vacinadas, outra é o total de inoculações. Esse total já ultrapassa os 6 milhões. Nesse mesmo tempo de comentário, Miguel Pinheiro referiu-se também ao crescimento dos infectados no Reino Unido, apesar da população estar em grande parte vacinada e de já terem iniciado a dita aos mais novos. Acontece que, no Reino Unido, foi tomada a decisão – política/executiva – de adiar a 2ª toma, aumentando assim o universo dos vacinados. Sabe-se hoje que a variante Delta resiste bem a quem tem apenas uma toma, daí a subida. Estes são apenas dois exemplos – até pacíficos – do resultado de não existir, por parte das autoridades, o cuidado pela prestação correcta, atempada e substancial de informação.

Deixo aos leitores, uma lista de questões, que deviam ser respondidas:

  1. Quantos, dos actuais internados, foram vacinados (com 1 toma e com 2)?
  2. Quantos, dos actuais internados, têm doenças associadas?

Depois, (e não me venham com a protecção de dados, ou com medos de xenofobias e afins) é necessário conhecer o perfil dos novos infectados:

  1. Existe ou não, uma preponderância – particularmente em Lisboa – em determinadas comunidades de imigrantes?
  2. Existe, ou não, uma preponderância – particularmente em Lisboa – de jovens de Erasmus infectados?

Quanto aos óbitos é fundamental conhecer:

  1. Quantas fatalidades ocorreram fora de ambiente hospitalar?
  2. Das fatalidades ocorridas, quantas vítimas tinham alguma comorbilidade?
  3. Quantos dos falecidos, estavam vacinados (com 1 toma e com 2)?

Estou em crer que esta informação existe. Por que razão não nos é – a todos e principalmente aos media – facultada? Sem estes dados, o trabalho dos jornalistas e dos especialistas convidados para comentar a actual situação, tem um grau de especulação muito grande.

Por fim, o problema de Lisboa: pode custar a quem não é desta cidade ouvir, mas a verdade é que não se pode comparar a capital do país com nenhuma outra cidade, aldeia, ou lugarejo. Há que existir coragem de afirmar que as regras devem ser ajustadas por causa de Lisboa. Para quê esconder essa verdade? É assim que tem de ser. Lisboa não está em condições de confinar e, aliás, a própria situação pandémica não a obriga a isso.

Sei que a Ordem dos Médicos preparou já uma nova matriz, o que me custa a entender é que a quantidade de matemáticos, epidemiologistas e tutti quanti não tenha ainda feito aquilo que até eu já consegui fazer (!): ponderar o Rt com os internados leves, os UCI e os óbitos. Abaixo apresenta-se tabela comparando o índice Rpd (R ponderado com situações graves), assim como os casos p/14 dias e o Rt.

Data Máximo de Rpd Máximo de casos 14 dias/nacional Máximo de R
2020
Março 3,806 118,911 1,099
Abril 4,863 134,392 1,080
Maio 2,553 58,044 1,017
Junho 2,368 47,448 1,013
Julho 2,346 49,257 1,010
Agosto 2,109 36,928 1,013
Setembro 2,081 97,308 1,025
Outubro 2,581 432,341 1,049
Novembro 2,914 761,175 1,079
Dezembro 3,197 660,052 1,063
2021
Janeiro 2,913 1669,830 1,085
Fevereiro 3,125 1604,643 0,987
Março 2,303 166,261 1,001
Abril 1,921 75,190 1,007
Maio 1,587 65,887 1,008
Junho 1,609 98,602 1,030

Como é bom de ver, este exercício simples prova que um índice que pondere os casos mais graves – e os óbitos, obviamente – cresce, neste tempo em que a vacinação acelera, mais devagar do que o famoso ratio dos casos p/14 dias, ou mesmo do que o Rt (e pode até descer, se os internados e as fatalidades diminuírem, mesmo com subidas significativas de novos infectados).

Concluindo: números – tal qual os chapéus – há muitos e, já se sabe, bem torturados dizem o que queremos ouvir. Mas não nos enganemos, estamos longe, muito longe mesmo, da tragédia que sobre nós se abateu de Outubro a Fevereiro passados. Com o advento da vacinação é impossível – salvaguardando uma estirpe que a vacina não proteja – voltarmos ao cenário das ambulâncias em fila à porta dos hospitais.

Mês Máximo óbitos/mês Máximo enfermaria simples/mês Máximo UCI/mês
Janeiro 5785 6004 865
Fevereiro 3594 5923 904
Março 508 1551 446
Abril 117 424 131
Maio 49 232 90
Junho 30 268 83

Julgo que os números falam por si. Não é tempo de fechar. É tempo de se manter o que existe e dar passos certos e seguros, por todos compreendidos aceites e cumpridos. As regras existem – máscara, distanciamento físico, lotações controladas – e é tempo de as saber implementar e não cairmos no erro, tão português, de nos enterrarmos em regulamentos, que se atropelam, que se contradizem, que promovem a burocracia (levando à pequena corrupção, ao olhar para o lado) e que, ao mesmo tempo, estimulam o engenho para os contornar.