Vem esta pergunta a propósito do recente debate entre Rui Tavares e João Miguel Tavares a propósito do apoio parlamentar dado pelo «Chega» ao PSD a fim de este último formar governo em coligação com o CDS no seguimento das eleições nos Açores. Pessoalmente, considerei politicamente óbvia a solução encontrada para o resultado da votação, visto a coligação do PSD ter mais deputados e mais votos do que a do PS. Posteriormente, verifiquei que, se houve entorse à praxe de chamar primeiro o partido mais votado a formar governo, foi o Presidente da República quem a cometeu, vingando-se assim do «golpe palaciano» dado pelo PS em 2015…

Segundo a «esquerda» governamental, a começar pelo primeiro-ministro, o Dr. Rui Rio teria incorrido num atentado político ao aceitar o apoio da «extrema-direita» à coligação PSD+CDS. Logo a seguir, uma fila de opinantes, incluindo alguns que se apresentam como sendo de «direita», considerou também inaceitável a decisão do Dr. Rio de aceitar o apoio parlamentar do «Chega»! Quanto àqueles que, como eu, consideram que a formação do novo governo dos Açores foi uma derrota da maioria socialista local e, por tabela, uma derrota do PS nacional, todos chamámos a atenção dos derrotados para o facto de António Costa se ter aliado com partidos como o PCP e o BE – sem previamente ter avisado o eleitorado de tal intenção, o que o teria feito perder muitos votos! – a fim de impedir a tomada de posse da coligação vencedora (PSD+CDS), como era tradição do parlamentarismo português.

Por sua vez, o fundador do «Livre», Rui Tavares, juntou-se aos derrotados para proclamar que uma aliança com o «Chega» era tabu, pois tratar-se-ia de uma organização para-fascista, racista, sexista, etc… Como se o PCP e o BE não fossem partidos na velha tradição comunista com um «pedigree» subsidiário do chamado marxismo-leninismo, sem excepção de uma pitada trotskysta, conforme sei perfeitamente! Com efeito, os comentadores que consideram a posição do PSD+CDS perante o «Chega» tão legítima ou ilegítima como o comportamento inédito de António Costa há cinco anos, não foram mais longe do que isso.

É nesta altura que, contra tudo quanto a história dos últimos cem anos mostra, Rui Tavares pretendeu colocar o «ónus da geringonça» no PSD, acusando-o de estar a abrir caminho ao «fascismo» incarnado pelo «Chega», proclamando pomposamente que «as comparações são tão válidas quanto as justificações». Não, não são. É historicamente consabido que o fascismo e o nazismo são criações do primeiro pós-guerra; surgiram ambos em 1921 e chegaram ambos ao poder por via eleitoral, o primeiro em 1922 e o segundo só em ’33.

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Não é indispensável ter lido um livro fundamental como «A guerra civil europeia, 1917-1945: nacional-socialismo e bolchevismo» (1987) do historiador alemão Ernst Nolte, para saber que o comunismo marxista-leninista nasceu em 1905 quando os bolcheviques (maioritários) derrotaram os mencheviques (minoritários) e declararam que o seu objectivo era impor a «ditadura do proletariado». Vieram a fazê-lo em Outubro de 1917, vencendo pela força o governo liberal que havia derrubado o Czar em Fevereiro, bem como os seus aliados revolucionários, o que certamente contribuiu para a reacção oposta dos futuros contra-revolucionários.

Por outras palavras, Lénin inventou muito antes da 1.ª Guerra Mundial algo que nunca existira até então: a ditadura do partido único, fórmula que ainda hoje subsiste em vários países, acompanhada pela típica agitação propagandística de sempre, como na China! Mussolini e o Partido Fascista, certamente inspirados pela União Soviética, só se apoderaram do poder em 1924.

Quanto à Alemanha, conheceu uma trágica tentativa revolucionária do novo Partido comunista imediatamente após a derrota militar (1918), à qual se seguiram a revolução falhada de Munique no fim desse ano e a breve revolução húngara em 1919. Tudo isto contribuiu, necessariamente, para o Nazismo ganhar as eleições de 1932, tomar o poder no ano seguinte e provocar a 2.ª Guerra Mundial em ’39 até à derrota em ‘45!

Finalmente, os populismos sul-americanos dos anos ‘30, ainda hoje olhados com saudade pelos herdeiros do marxismo-leninismo europeu, tão depressa se encostavam à direita como aos sindicatos, reemergindo actualmente sob as vestes do Podemos em Espanha e do BE cá por casa… Antes disso, já o bloco soviético se tinha desmantelado por dentro sozinho, enquanto as ex-colónias portuguesas, depois de um arremedo revolucionário, esmagaram a oposição e impuseram a dominação dos partidos vencedores até hoje, como sucedeu aliás também com a África do Sul.

Assim se vê como foi muito mais frequente as ditaduras de extrema-direita responderem à pressão da União Soviética e dos partidos comunistas do que o contrário. Quanto ao PS, depois de Outubro de 2015, não tem moral para falar: a vontade de poder exibida pelos governos de Sócrates e de António Costa, independentemente dos votos, tornou-se inquietante. A pandemia fez o resto.