A inflação era transitória, e as taxas de juro não iam subir. Eis a doutrina até esta semana. Na terça-feira, a directora do BCE veio afinal avisar as famílias de que devem preparar-se para o encarecimento dos empréstimos. O mundo está a mudar. Foi à sombra da bananeira do BCE que o poder socialista em Portugal pôde reduzir o governo a uma mera gestão da decadência. Agora, que as coisas parecem escapar ao BCE, talvez Portugal precise de uma alternativa e de outro tipo de governo. Não sei se os quer. Mas convinha pelo menos que lhe fossem propostos. Não é certo que sejam.
Com a esquerda reduzida à simples defesa das rendas do regime, a alternativa tem de vir da direita. Eis a dificuldade. PSD e CDS foram apanhados a eleger líderes. No CDS, já se percebeu que a antiga direcção se prepara para fazer campanha contra Francisco Rodrigues dos Santos durante as próximas eleições, e é provável que quem perca no PSD faça o mesmo contra quem ganhar. Depois, há a dúvida sobre como conjugar esses e os outros partidos à direita para, tendo os deputados, formarem uma maioria parlamentar. Cada qual já se pôs atrás das respectivas “linhas vermelhas”, para não nos deixarem demasiadas esperanças. Rio prometeu deixar o país entregue a socialistas e comunistas, mesmo com uma maioria de direita, se esta depender do Chega. O Chega, na quarta-feira, retirou o apoio ao governo do PSD e do CDS nos Açores. Para quem julga que “eles, depois, vão ter de se entender”, ficou dada a lição. Não, não vão ter de se entender.
O PSD de Rio resolveu, a propósito, tornar as coisas um pouco mais difíceis. Esta semana, recusou uma aliança com o CDS. Segundo consta, porque a acha um mero acto de “caridade”. Oh, santa imbecilidade. Ninguém no PSD parece perceber esta coisa elementar: que uma aliança PSD e CDS não vale pela simples soma dos votos que já são do PSD e do CDS, mas pelos outros votos, que não são do PSD nem do CDS, e que podem ser mobilizados pela dinâmica eleitoral criada pela união da direita para uma alternativa à esquerda. Ao irem cada um pelo seu lado, PSD e CDS estão a poupar os eleitores de direita à pressão do “voto útil” que podia afectar o Chega e a Iniciativa Liberal, como aconteceu na eleição do presidente da Câmara de Lisboa em Setembro. Fica assim garantida a dispersão eleitoral. IL e Chega são os únicos beneficiários da falta de “caridade” do PSD.
Se estivessem em causa apenas PSD e CDS, era-nos indiferente. Mas o que está em causa é a possibilidade de outro tipo de governo que não a gestão da decadência da geringonça. Para tanto, o que menos convém é uma nova maioria que consista no mar agitado de quatro ou mais partidos, cada qual com força para sujeitar a governação aos seus cálculos e disparates. Não se farão reformas dessa maneira. A esquerda não as fez por ideologia, a direita não as fará por confusão. Uma geringonça de direita não será, a esse respeito, muito diferente de uma geringonça de esquerda. Talvez por isso, o que temos ouvido dos candidatos à liderança do PSD, após um bom discurso de estreia de Paulo Rangel, já parece destinado a baixar expectativas. Admitem governar apenas com a abstenção do PS, e já não conseguem abordar o impasse fiscal e económico senão a partir dos truques da geringonça, como o IRS Jovem e o aumento administrativo de salários. Talvez fosse preciso mais ousadia. Mas para haver ousadia nas propostas de governo, tem de haver ousadia nos meios para conseguir a maioria coerente e estável de que um governo reformista precisa. Alguém deve ter lançado uma maldição sobre a direita portuguesa. Talvez seja de ir à bruxa.