Depois de, por diversas vezes nos últimos dias, responsáveis dos bombeiros e da Protecção Civil se terem queixado de falhas no funcionamento do SIRESP, o ministro da Administração Interna veio esclarecer que isso não é verdade, o SIRESP funcionou lindamente. Quem tem razão? Não se sabe. Uma coisa é certa, porém: há falhas de comunicação sobre as falhas de comunicação do SIRESP.
Segundo José Luís Carneiro, “A rede não falhou, estamos a falar de um congestionamento nas chamadas que foram feitas ao mesmo tempo e chamadas, sobretudo, a demorarem muito tempo e, por isso, bloquearam outras na entrada no sistema”. Por mim está explicado. O sistema de chamadas de emergência não funcionou porque houve utilizadores que fizeram chamadas de emergência ao mesmo tempo que outros utilizadores fizeram chamadas de emergência. E depois querem milagres. Se os bombeiros usassem o SIRESP em dias sem incêndios, iam perceber que, na grande maioria das vezes, o sistema não dá problemas. Em vez disso, teimam em usá-lo apenas durante situações extremas, em que as falhas são mais notadas. Até parece que é de propósito para o SIRESP ficar mal visto. Com tanta má vontade, não há sistema que aguente. Cheira a auto-sabotagem. Aposto que os bombeiros que se queixaram estavam a usar o SIRESP ao mesmo tempo que comiam um bacalhau à Brás.
O Ministro bem disse que “por vezes, nem sempre o uso [SIRESP] é feito nos termos em que deve ser”. Aliás, já no sábado, «confrontada com as acusações de alegadas falhas do sistema, especificamente no fogo de Leiria, Patrícia Gaspar sublinhou que “foi um problema dos operacionais dos rádios” e não um problema estrutural.» A secretária de Estado garante que o que houve foi um «uso deficiente». Deve haver bombeiros com as orelhas a arder. Por falarem mal deles nas costas e pelas horas que passaram com o rádio encostado aos ouvidos. Resumindo, os bombeiros não sabem falar ao telefone. Podem contar com eles para apagar um incêndio, evacuar uma aldeia, fazer um contrafogo ou guiar um camião-cisterna numa estrada florestal em chamas, mas não contem com eles para fazer uma chamada.
(É possível, atenção. Basta os bombeiros responsáveis pelas comunicações serem adolescentes. A experiência que tenho com os três cá de casa é que não conseguem conversar ao telefone. Sussurram, sempre monocórdicos e monossilábicos. A minha teoria é que, habituados a comunicarem sempre por WhatsApp, em que as emoções são transmitidas por emojis, os jovens já não sabem fazer-se entender de viva-voz).
Andamos desde 2017 a ouvir tanta coisa sobre o SIRESP, que as torres estavam mal colocadas, que os cabos ardiam por não estarem enterrados, que as antenas eram de má qualidade, que a manutenção não era feita, idem para a fiscalização, que o contrato entre o Estado e a operadora fora mal negociado, que a operadora era aldrabona, afinal vai-se a ver e o SIRESP não tem problema nenhum. O problema está no utilizador, que não leu as instruções.
O que é incompreensível é a incapacidade de bombeiros e agentes da Protecção Civil em aprenderem. São anos sucessivos a chumbar na cadeira “Introdução ao uso de rádios”. Aliás, basta ver a reportagem da TVI, de 2014, em que já se vêem os néscios com dificuldade em usar o SIRESP. Se o leitor tiver curiosidade, assista. Tem é de ter paciência para suportar meia-hora a ouvir estática. Neste momento, Portugal tem a geração mais bem preparada de sempre protegida pelas forças de emergência mais nabas de sempre.
Obviamente, os bombeiros estão irritados com tudo isto. Mas sei, de fonte fidedigna, que o ministro está a trabalhar afincadamente na resolução do problema. Hoje mesmo, está a melhorar a selecção musical usada quando as chamadas do SIRESP ficam em espera. Fala-se de êxitos de Verão como o As it was, do Harry Styles, ou o Bam Bam, da Camila Cabello. São daqueles temas que conseguem puxar para cima até o mais rabugento Comandante, ao fim de 36 horas a combater um fogo. Impossível ouvi-los e não ficar com um sorriso na cara cheia de fuligem.
Apesar da inoperância, não acho que nos devamos ver livres do SIRESP. Ainda tem utilidade. Não serve para comunicar, mas serve para dar o alarme. É simples: de 15 em 15 minutos, liga-se o SIRESP. Se estiver a funcionar, é porque está tudo bem. Se não funcionar, é sinal de que está a acontecer uma calamidade. Depois, basta descobrir o tipo de calamidade e onde está a ocorrer. O SIRESP fica assim como uma espécie de canário na mina. Quando se cala, é porque há azar.
Para a comunicação propriamente dita, o SIRESP deve ser substituído pela Central de Informação do Governo, que é exímia a coordenar mensagens. Pela forma como o Governo se organizou para responsabilizar os portugueses por adoecerem em Agosto, terem filhos no Verão, apanharem o comboio no calor, viajarem de avião nas férias, não saberem usar um walkie talkie, de certeza que uma comunicação tão bem transmitida não é executada através do SIRESP.
Previsivelmente, a oposição virá dizer que o Governo falhou. Mas é falso. O Governo não falhou. O que acontece é que houve um pico de congestionamento pontual de problemas a que o Governo, excepcionalmente, não conseguiu dar resposta. Durante esse período de tempo muito específico, o Governo não funcionou. Mas não falhou.