Nos últimos anos não têm faltado pensadores políticos, em Portugal e além-fronteiras, que contestam a redução dos moldes partidários ao tradicional eixo esquerda-direita. Há que encontrar novas referências e novos parâmetros para analisar e pensar a sociedade nas suas várias áreas, sem circunscrever a política a rótulos ultrapassados. Não só porque o mundo evolui e a realidade contemporânea deve ser encarada sob outros prismas, mas também porque essa velha dicotomia herdada da Revolução Francesa obedece à lógica preferida das forças extremistas, que procuram assim condicionar o debate de ideias, analisando o mundo a preto e branco, sem matizes. Ironicamente, como nos ensina a sabedoria popular e a realidade, os extremos tocam-se. E costumam ser maus conselheiros.

Por inércia e comodismo intelectual, no entanto, os rótulos “esquerda” e “direita” continuam a ser usados quase em exclusivo para compartimentar pessoas e organizações, especialmente partidos. Queiramos ou não, uma reflexão sobre as legislativas que irão condicionar o próximo ciclo político de quatro anos não pode fugir a esse eixo clássico.

Considerando as sondagens e o comentário, entre as incógnitas que rodeiam as eleições de 6 de Outubro destacam-se estas: conseguirá o PS maioria absoluta? Conseguirão os partidos de esquerda, no seu conjunto, preencher dois terços dos lugares na Assembleia da República? Haverá coligação governamental? Qual será a “noiva” escolhida por António Costa caso o PS seja incapaz de eleger 116 deputados?

Mas o problema maior na política portuguesa é que as respostas a estas questões acabam, no fundo, por ser irrelevantes. Seja qual for o cenário parlamentar e governativo que emergir das próximas legislativas, não mudará o essencial do nosso panorama institucional, imobilizado há cerca de quatro décadas apesar da mudança de século e de milénio entretanto decorrida. Porque, previsivelmente, não adicionará pluralismo à política portuguesa: continuaremos, no fundo, a raciocinar nos mesmos moldes e a reger-nos pelas mesmas referências, sem conseguirmos aproximar eleitos de eleitores.

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Se analisarmos com atenção os debates e as votações da última legislatura, encontramos um nítido desequilíbrio: 5-2, com vitória esmagadora das forças parlamentares à esquerda. Sem a entrada de novos partidos em São Bento, sobretudo de partidos que não se posicionem sempre “à esquerda”, imitando os partidos velhos, o debate político em Portugal continuará profundamente inclinado e desequilibrado. Não admira, por isso, que os eleitores, sobretudo os jovens, se sintam cada vez mais divorciados da prática política.

Quem quiser continuar a acreditar nos supostos benefícios do voto útil e seguir os apelos, normalmente desesperados, para que essa presumível utilidade se prolongue por mais quatro anos, apenas estará a contribuir para a manutenção da situação vigente: cinco forças à esquerda e apenas duas situadas fora desta área. O que faz do Parlamento português um dos mais desequilibrados e conservadores da Europa, fechado à emergência de novos rostos, novas vozes e novas siglas.

Uma mensagem-chave, nestas legislativas, deve apontar para o reforço do pluralismo no Parlamento. Com a entrada na Assembleia da República de deputados oriundos de forças partidárias que têm o direito de fazer ouvir a sua voz, ampliando a representatividade institucional do órgão supremo do debate político no nosso país.

Mais que nunca, devem ser ignorados os apelos ao voto útil. Devem ser recusados os cenários de suposta instabilidade política na ausência de maioria absoluta. Deve haver uma recusa clara do tacticismo que tudo faz para perpetuar o statu quo.

Àqueles que, em certas sedes do poder e alguns que têm lugar cativo no comentário político, tudo fazem para ignorar e desprezar ou minorar as novas forças partidárias, apetece perguntar: porque têm medo do pluralismo?

Membro do Iniciativa Liberal