Questões Maiores
Esta segunda-feira de manhã, a Rússia atacou a Ucrânia com mísseis e drones em zonas civis, no centro da capital, Kyiv, como noutras cidades, Zaporizhzia, Dnipro, Odessa…. Registaram-se 11 mortos e mais de 80 feridos, até agora. As imagens são desoladoras. Estradas cobertas de estilhaços, prédios e jardins destruídos. Um corpo coberto à espera de ser retirado da rua. Uma mulher com o rosto cheio de sangue e de cinzas. Os restos de um parque infantil diante da cratera de um míssil. Não sendo especialista militar, não sei se este ataque aéreo é já uma consequência do novo comando do General Sergei Surovikin, mas penso que sim. Afinal, é conhecido pela sua lógica de terror implacável, executada de Moscovo à Síria, com passagem pelo Afeganistão e pela Chechénia. Esta alteração de comando que entregou a responsabilidade da «operação especial» a este general, terá sido aprovada pela linha dura do Kremlin e foi saudada por Y. Prigozhin e pelo infame R. Kadirov. Isto que aconteceu hoje, atacar civis ucranianos, foi o que aconteceu na Síria sob as ordens de Sergei Surovikin. A impiedade e o terror vão para além da guerra. São crimes. E os crimes trazem a assinatura dos criminosos.
As mensagens contidas neste ataque, cujo horário demonstra a pretensão de maximizar as baixas civis, são claras e têm dois destinatários. A primeira mensagem é para os ucranianos: tenham medo. Qualquer parte da Ucrânia pode ser atacada e podemos avançar para além dos meios convencionais. O objectivo é aterrorizar e ameaçar. A segunda mensagem é para os aliados da Ucrânia: vamos testar os vossos limites. Podem advertir-nos à vontade sobre as consequências da escalada da guerra. Não se mexeram em 2008, pouco fizeram em 2014, agora apoiam a Ucrânia. Mas até onde? O objectivo é retomar o poder por intimidação.
O passado é o melhor preditor do futuro. E o nosso, no que à Ucrânia diz respeito, não abona em nosso favor, ainda que nos tenhamos vindo a redimir desde 24 de Fevereiro. De igual forma, o passado russo foi o preditor exacto da invasão de 24 de Fevereiro.
Não sou especialista militar como não o sou em filosofia da linguagem. Porém, as palavras são o meu instrumento de trabalho e nos media nacionais, como em muitos estrangeiros, referem-se a estes ataques como «retaliação» e como a «resposta russa aos ataques ucranianos» do fim de semana, em particular, à explosão na Ponte da Crimeia (Ponte de Kerch). Isto é falso. Esta não é a resposta russa. A Rússia não foi invadida. Este é, e uma vez mais, um ataque russo. É preciso distinguir o agressor, a Rússia, da vítima, a Ucrânia. Resposta é o que os ucranianos têm dado aos ataques russos. E esta não é uma questão menor: as palavras organizam o nosso pensamento, e este enforma as nossas decisões e acções. Dizer que esta é a resposta da Rússia, é alimentar a mesma perversão de pensamento, ainda que sem intenção, daqueles que atribuíram à Ucrânia a responsabilidade pela invasão russa, isto é, que a colocaram como vítima da Ucrânia, da NATO, dos Estados Unidos e do Ocidente. De igual forma, responsabilizar a Ucrânia pela escalada aterradora desta guerra, é vergonhoso: se a Rússia não usar armas nucleares, ninguém usará – excluo deste raciocínio o louco da Coreia. As palavras contam. Como, aliás, o marketing negro de Dimitri Medved sobre os ataques de hoje demonstrou: «O primeiro episódio foi exibido, haverá outros».
É preciso apoiar a Ucrânia com os meios de que necessita.
Questões Menores
Sou, como muitos portugueses, uma «trabalhadora a recibos verdes». Pior. Da cultura. E este novo estatuto que deveria proteger-nos, por enquanto, veio apenas semear o caos no Portal das Finanças onde passamos as facturas-recibo pelos nossos serviços.
Preencher os dados de uma factura-recibo era, até ao mês passado, um processo acessível, amigável. Agora é um processo hostil. E não apenas para os profissionais da cultura, para os funcionários dos serviços também. A complexidade é tal que para passar a factura-recibo que pretendia, tive de telefonar para os serviços para o fazer acompanhada. Fui atendida por três funcionários, três, com simpatia e disponibilidade inultrapassáveis. Também não sabiam os passos. Um deles esteve a ler comigo o decreto-lei 105/2021 e os artigos do EPAC, RPAC, ou sabe Deus. Fizemos o que conseguimos. As dúvidas eram, são, muitas. O programa dava erro. Depois do desperdício de recursos humanos pendurados ao telefone durante mais de uma hora, demos o processo por terminado e imprimi a factura-recibo, em pdf. E, para nosso espanto, imprimi-se o erro final para o qual não havia correção: perdeu-se não só tempo, mas o nome e o número do contribuinte, os meus, portanto. Ao erro informático não houve quem desse resposta. Como aconteceu comigo, aconteceu com muitos.
Devolvam-nos o modelo anterior e de uso amigável: para dificuldade, basta-nos estar a recibos verdes.
A autora escreve segundo a antiga ortografia