Confesso que aguardava com expectativa pela composição da equipa governativa na Educação — área-chave para o desenvolvimento social e económico do país mas, também, sector particularmente atingido pela pandemia. A escolha de João Costa para ministro não surpreende: porque é uma opção pela continuidade (como António Costa havia prometido) e porque João Costa foi, para todos os efeitos, o estratega das políticas públicas no sector desde 2015, remetendo Tiago Brandão Rodrigues para aparições institucionais. A questão, agora, é se João Costa, reforçado pela ascensão a ministro, terá a força política para desenhar e executar as reformas urgentes de que a Educação precisa.
Até 2030, sairão para a reforma cerca de 42 mil professores, que se juntam aos que, nos últimos anos, já se aposentaram. No espaço de 10 anos (2020-2030), os quadros de professores no Ministério da Educação perderão cerca de metade dos seus efectivos, havendo áreas disciplinares particularmente atingidas — pelas estimativas do Conselho Nacional de Educação: Filosofia (70%), Educação Pré-escolar (73%), Português (58%) e Matemática (62%). Substituir metade do corpo docente das escolas é, em si mesmo, um desafio para a organização das escolas, pela perda de experiência e pela adaptação dos novos quadros. E esse desafio torna-se particularmente complexo se, para além disso, constatarmos que a profissão de professor é actualmente pouco apelativa para os mais jovens, em particular para os jovens que conseguem melhores desempenhos no ensino secundário e obtêm vaga em cursos superiores mais competitivos. Os dados do PISA da OCDE mostram-no com clareza: os alunos que declaram a ambição de se tornarem professores obtêm, em média, desempenhos bastante inferiores à média dos restantes alunos portugueses. E as médias de acesso ao ensino superior apontam em sentido semelhante, assim como as vagas que não raramente ficam por preencher nos cursos de Educação. Ou seja, há dois desafios que terão de ser resolvidos em simultâneo: quantidade e qualidade — há poucos jovens a querer ser professores e o seu perfil, comparativamente a outras áreas, é pouco competitivo.
Tornar a profissão de professor mais atractiva não é algo que se possa alcançar por decreto. Afinal, são múltiplos os factores que afastam tantos jovens da profissão. As remunerações em início de carreira são baixas e acompanhadas de uma elevada instabilidade profissional — colocações em escolas longínquas, com custos pessoais, de deslocação e de alojamento. As carreiras são rígidas, suportadas maioritariamente numa progressão por antiguidade, e por isso cegas ao mérito. Os incentivos na formação estão viciados, uma vez que a nota com que se sai da faculdade acompanha o professor durante toda a sua vida profissional — daí que haja vantagem óbvia em frequentar Escolas Superiores de Educação que inflacionem as classificações finais. Traduzindo: para inverter a actual situação é necessário reformar estruturalmente a selecção, a formação, o recrutamento, a avaliação e o modelo de desenvolvimento profissional dos professores. Como sabemos, não é politicamente fácil. Mas, com uma maioria absoluta a suportar o governo, não há desculpas. Até porque muitos países já o fizeram e, no actual contexto português, esta tornou-se uma reforma de emergência.
Reformar estruturalmente no recrutamento dos professores implica, por associação de ideias, extinguir o actual modelo de colocação centralizada e atribuir às escolas mais poder de decisão sobre que professores desejam nas suas escolas. É a reforma com que todos os governantes concordam secretamente, mas que nenhum ousa implementar, sob ameaças de sindicatos e receios de favorecimentos nas escolhas dos directores escolares. Ora, não é necessário dramatizar, nem é preciso inventar a roda: por toda a Europa existem mecanismos descentralizados de contratação de professores, através das autarquias ou directamente através das escolas, que asseguram o bom funcionamento do sistema, com transparência e possibilidade de escrutínio. A sociedade portuguesa não tem nenhum atraso de desenvolvimento que a impeça de aplicar soluções de políticas públicas que se implementaram com sucesso em vários países europeus. Haja vontade política e, muito importante, haja meios e recursos — não é possível descentralizar com eficácia sem atribuir às escolas e/ou às autarquias os meios humanos e financeiros para acompanharem estes processos de contratação docente.
Se os professores e a autonomia são os dois dossiers de urgência em que se exigem reformas estruturais, é fundamental não esquecer o contexto da legislatura que agora se inicia: vivemos na ressaca de uma pandemia que afectou três anos lectivos consecutivos e há uma geração de alunos a salvar. Alunos que, em particular nos primeiros anos de escolaridade, se viram prejudicados pelo encerramento das escolas num momento-chave do seu desenvolvimento e aquisição de competências-base — na leitura, na matemática, no desenvolvimento social. Olhando para os diagnósticos aplicados em vários países, os danos na aprendizagem foram tremendos e acentuados pelas desigualdades sociais existentes. Em Portugal, os diagnósticos têm sido inconsistentes, resultado de erros políticos que fragilizaram a monitorização do sistema educativo. Portanto, é essencial agir e fazê-lo com rapidez: melhorar os instrumentos de aferição e tornar mais ágeis e eficazes as medidas de recuperação da aprendizagem.
Nestes últimos anos, ouvi várias pessoas próximas do PS lamentarem que João Costa não tivesse assento no Conselho de Ministros. Era assim que justificavam que, nomeadamente durante os períodos mais tensos da pandemia, o governo tivesse demorado tanto a agir e errado em decisões relativamente às escolas. A partir de agora, João Costa terá mesmo lugar no Conselho de Ministros. E num quadro de maioria absoluta, favorável à implementação de medidas que despoletem oposição de sindicatos e partidos à esquerda. Ou seja, com esse contexto e com o capital de legitimidade que acumulou nos anos em que foi Secretário de Estado, João Costa tem tudo para ressuscitar a paixão pela Educação. A prova do algodão começa agora: ou João Costa será o ministro da Educação reformista que o sistema educativo reclama, ou será lembrado como o ministro que desperdiçou uma oportunidade irrepetível.