Ainda a braços com a crise de saúde pública, o país começa a estruturar – e bem – na retoma. Se a atitude geral do país evitou, até aqui, situações dramáticas como a espanhola ou a italiana, temos agora pela frente um dos maiores esforços coletivos das últimas décadas. Deste mês e meio de confinamento, fica uma grande evidência. Para a retoma, temos grandes desafios, destaco quatro deles.
A evidência: a vitória da Ciência. A Covid-19 veio demonstrar que num período de crise, as pessoas querem factos, querem opiniões rigorosas, de especialistas sérios, de autoridades científicas e sanitárias. O wishful thinking, o “achismo” ou as ideias-fáceis-para-situações-complexas (por norma, o método dos extremistas de direita e de esquerda) têm tido uma enorme dificuldade de ganhar terrreno quando o mundo combate uma pandemia. Uma recente sondagem do Health Economics & Management Knowledge Center da NOVA SBE demonstra que quando querem qualidade e confiança na informação, os portugueses consultam os sites da DGS e do SNS. Quando querem rapidez, preferem os sites das notícias ou a televisão.
Se no início, as fake news e as tentativas de interpretação subjetivas ainda tentaram ganhar terreno (os célebres áudios no WhatsApp dos idos de Março ou os discursos mirabolantes de alguns políticos), a evolução da crise deu força à ciência, aos factos, à informação de qualidade. Esperemos que esta evidência fique no pós-Covid.
A tão necessária retoma, a iniciar em Maio, traz-nos grandes desafios. Chamo à atenção para quatro deles, que considero da máxima relevância para uma retoma com sucesso.
Recuperar a atividade económica e o rendimento das famílias. O desafio para os anos 2020-22 será enorme, dada a quebra abrupta gerada pelo confinamento. Reerguer os setores mais afetados exigirá a conjugação de vários esforços e iniciativas, tanto ao nível Europeu (dada a fragilidade histórica da economia portuguesa), como ao nível nacional, onde as respostas orçamentais e fiscais serão muito relevantes. A retoma real da produção e de rendimentos deverá ser o objetivo nacional a partir de Maio, nomeadamente num contexto de menos exportações, menos investimento e de menor consumo privado. Uma medida que deve ser estudada e implementada é o pagamento da dívida total do Estado aos fornecedores. Um montante de 4 a 5 mil milhões de € de dívida a entrar na economia seria uma forma eficaz e rápida de salvar empregos e garantir a viabilidade de muitas empresas.
Minimizar desigualdades e reforçar a solidariedade. Fruto de um momento coletivo difícil, teremos de ter respostas claras para os mais vulneráveis e desprotegidos da sociedade. Sem cegueira ideológica, convocando todos para uma emergência social que afetará muitos, alguns dos quais, em necessidade pela primeira vez na sua vida. Estado (central, regional e local), empresas, IPSS e associações devem articular programas e linhas de ação para atender a uma crise social, evitando a miséria e a fome. No sistema financeiro existe uma expressão sobre as grandes instituições, ditas “too big to fail”. Desta vez, na sociedade, estaremos numa situação em que serão “too many to fail”. Temos de aproveitar este momento excecional de compaixão coletiva para uma visão humanista e solidária nas nossas escolhas futuras.
Proteger as liberdades individuais. A história, mas também o presente noutras geografias, demonstra-nos que os momentos dramáticos, os momentos de emergência ou exceção são o melhor pretexto para a implementação de ideias que atacam direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. O combate é difícil, porque o medo geral, o desejo da eficácia e a proteção de todos são argumentos fortes para instaurar medidas invasivas e desproporcionais. A Liberdade não costuma ser um valor fácil de defender (até porque tem muitos inimigos), mas quem a considera como a essência basilar da nossa existência humana, terá de ter linhas vermelhas para combater as ideias (algumas delas já circulam por aí) que, a pretexto da proteção de todos, serão a transposição para o real da ficção de Orwell e Huxley.
Ter confiança no espaço público, no outro e nos decisores. Pela primeira vez na vida de muitos portugueses, andar na rua será um momento de alguma tensão e medo. Voltar à antiga normalidade (que saudades!) demorará o seu tempo. Para a esmagadora maioria dos que estiveram confinados, será preciso tempo para ganhar confiança de que posso estar sereno e tranquilo no espaço público, a falar com o meu vizinho o com um colega de trabalho. Este desafio, essencial para a reabertura (faseada e gradual) que viveremos a partir de Maio exigirá que o Governo e a DGS emitam regras claras de funcionamento para cada setor aberto, criando um “Guia pós-COVID setor a setor”. Regras claras para empresas, para trabalhadores, para consumidores. Sem regras claras, não se gerará confiança e segurança para a tão necessária retoma. A informação credível, percetível e regular aumentará a confiança nas decisões tomadas.
O sucesso nestes desafios será o sucesso do país, das famílias e das empresas, mas também, o sucesso da democracia. Venha a retoma!