Mesmo em tempos de pandemia mundial, o calendário não pára e dia 20 de março, assinalámos o Dia Internacional da Felicidade. Este período incerto, estranho, difícil e de combate a um vírus mortífero faz-nos pensar numa perspetiva da Felicidade, nem sempre valorizada ou que contraria as narrativas fortes dos tempos atuais.

O Dalai Lama tem uma frase simples que nos diz que a “felicidade é o propósito das nossas vidas”, enquanto os Americanos colocaram na sua célebre Declaração da Independência “a busca pela felicidade” (pursuit of happiness) como um dos três direitos inalienáveis – a par da vida e da liberdade – de cada pessoa.

A título de curiosidade, a Constituição da República Portuguesa não refere, em nenhum dos seus quase 300 artigos, as palavras “felicidade” ou “feliz”. É também raro o discurso público ou publicado em Portugal que aborde este tema ou refira este conceito como um objetivo a alcançar na nossa vida. Por um lado, o medo de ter um discurso básico ao estilo de “Miss Mundo”, por outro lado, a tradição social de realçar outros bens e valores afastam a “felicidade” do espaço público enquanto palavra forte. Existe também uma certa tendência para o discurso miserabilista – que tem sempre muitos apoiantes e seguidores – que faz parecer quem fala de “felicidade” um tonto ou alguém desconectado do dia-a-dia dos nossos concidadãos.

Por norma, são mais utilizadas as expressões de qualidade de vida, desenvolvimento humano ou dignidade. Tenho procurado na minha atividade política abordar o conceito de Felicidade e faço-o com uma simples premissa: se a felicidade é o objetivo de vida de cada um, a política deve ter como fim último potenciar e possibilitar que todos possam ter o seu projeto de vida feliz, necessariamente único, individual e irrepetível.

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Todas as escolhas que fazemos, todas as políticas que defendemos nas mais diversas áreas devem ser movidas por esta questão: estamos a permitir a cada pessoa uma vida mais feliz? É certo que em tempo de crise, económica ou social (e os portugueses já têm “doutoramentos” em como viver em crise), as escolhas políticas parecem não refletir esta questão, em particular no curto-prazo. Mas mesmo quando tomamos medidas difíceis – e governar, assim o exige – este horizonte da felicidade de cada um deve estar presente.

Este período de resposta e combate ao COVID-19, no qual se assinala – quase que por trágica ironia – o Dia Internacional da Felicidade, permite-nos ver uma perspetiva nova (ou esquecida ultimamente), mais simples e crua sobre a Felicidade: o coronavírus veio provar que nos realizamos muito no contacto com os outros, que o contacto faz parte da nossa felicidade. O toque, o abraço, o estar livremente na rua, o estar com os outros quando queremos. O contacto com os outros faz de nós, verdadeiramente, felizes.

Num tempo em que é comum ouvir e ler que ninguém se encontra, que as pessoas preferem o contacto através das redes sociais, que as pessoas se isolaram, que a nossa vivência digital veio matar o lado social e gregário do ser humano, que cada um encontra no seu smartphone e no seu teclado a forma preferencial de interagir com os outros, este período de isolamento e quarentena veio mostrar a muitos de nós que continuamos a ser um animal social, que nos incomodamos com o facto de estarmos obrigatoriamente em casa, de não podermos ir a restaurantes e cafés, de não podermos estar com os nossos amigos e conhecidos, de não poder ir ver o nosso clube a jogar.

Desde que a pandemia se instalou, as pessoas tentam contrariar a ausência física com alternativas de socialização (o objetivo de contacto está lá sempre), com aplicações como a Houseparty, atualmente a app do momento, que só na Google Play Store já tem mais de dez milhões de downloads e está entre as mais procuradas em Portugal. A app está a ter especial sucesso junto da nossa geração, a geração jovem, aquela que é acusada de se refugiar e isolar nas tecnologias, e que hoje é uma das que se sente mais atingida por estar retida em casa.

Neste dia, assinalado num ano diferente esta é a mensagem mais forte que encontro: o contacto social – básico, normal e a que não damos especial valor habitualmente — é uma fonte enorme de Felicidade para cada um de nós. É esta fonte que o COVID-19 está a tentar tirar-nos, mas acredito que vamos vencer!

Nas crises, é comum ouvir que iremos retirar grandes lições e mudar significativamente as condutas pré-crise. Ao longo destes dias de quarentena nacional, várias vozes têm apontado que no day after, vamos efetuar algumas mudanças importantes na nossa forma de viver. Embora na economia nem sempre seja assim e passado uns tempos, os mesmos erros estão a ser repetidos, acredito que este Estado de Emergência em que estamos irá fazer-nos valorizar muito a felicidade que é sair de casa livremente e encontrarmo-nos, sem medo ou receio de contágio, com amigos, familiares, colegas de trabalho e conhecidos.