À primeira vista, a democracia representativa representa uma realidade perfeitamente incompatível com a situação política e social vivida durante o Antigo Regime. No entanto, a práxis de alguns governantes democraticamente eleitos parece evidenciar resquícios da época em que o absolutismo ditava a lei.
Um dos símbolos do Antigo Regime, o rei Luís XIV, ficou na História como o Rei-sol. Não porque, a exemplo de Filipe II de Espanha, se considerasse dono de um Império onde, depois da união dinástica com Portugal, o sol nunca se punha, mas porque, em França, tudo e todos gravitavam à sua volta, a exemplo da órbita que os planetas traçam em torno do sol.
Para tal serviu-se do Palácio de Versalhes que funcionava como a luz que atraía os nobres franceses, enquanto os afastava da administração das respetivas terras. Assim, como forma de garantir o absolutismo, Luís XIV foi o Rei-sol, embora nunca sendo fisicamente um rei-só. O palácio, os jardins e os terrenos envolventes estavam permanentemente repletos de uma nobreza em busca de privilégios e prazer.
Na conjuntura atual, em ambos os países da Península Ibérica, Pedro Sánchez, enquanto líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e António Costa, o secretário-geral do Partido Socialista (PS), apesar de assumidamente republicanos, parecem apostados em revisitar a estratégia do Rei-sol. Revisitar e não copiar porque, como os manuais ensinam, a História não se repete,
Por isso, Sánchez não se rodeou dos barões do PSOE. Pelo contrário, ao ser o primeiro secretário-geral a ser escolhido através de eleições diretas abertas a militantes e simpatizantes, reduziu drasticamente a força desses barões. Uma forma de consolidar o poder interno e desaconselhar – e, obviamente, castigar – eventuais críticas provenientes de quem julgava que os elevados cargos exercidos e a militância prolongada eram suficientes para garantir uma voz ativa dentro do PSOE.
Como o processo em curso para a formação do novo Governo deixa claro, Sánchez capturou o partido e só dá ouvidos a quem serve de caixa de ressonância das suas ideias. Mesmo que essas ideias ponham em causa a essência de um Estado de Direito e a integridade territorial de Espanha. Algo que jurou solenemente cumprir.
Na mesma linha de pensamento, mas descontando que em Portugal não existem tendências separatistas, António Costa, ao ver-se na posse de uma maioria absoluta, embora assumindo publicamente um discurso de predisposição para o diálogo com a oposição, escolheu um Governo, baseado, sobretudo, na confiança pessoal. Além disso, rodeou-se de todos os seus putativos sucessores na liderança do partido. Nem todos seus amigos, obviamente, mas seguindo a lição de Maquiavel que aconselhava o príncipe a ter por perto os inimigos mais perigosos para melhor os vigiar.
Por isso, bem pode o Presidente da República demitir publica, mas não oficialmente, um ministro. Ou o Presidente do PS apelar a uma urgente remodelação governamental. Ou uma parte considerável dos portugueses, incluindo militantes e simpatizantes socialistas, indignar-se com um episódio que está longe de envolver apenas um computador, ou com a falta de professores nas escolas e de médicos nos hospitais e centros de saúde.
O dono da última palavra será sempre António Costa. Daí que, apesar da longa lista de demissões, continuem no Governo ministros e secretários de estado que não se sentem fragilizados, pese embora situações nada abonatórias em que se veem – ou viram – envolvidos e que, um pouco a conta-gotas, vão chegando à opinião pública, muito por força de uma comunicação social cada vez mais bem preparada e consciente da sua missão.
Face ao exposto, talvez não seja abusivo afirmar que Sánchez e Costa sofrem da síndrome do Rei-sol e caminham para, apenas fisicamente, não serem reis-sós. Uma maleita contra a qual o único remédio que pode surtir efeito é o voto. O ato em que os eleitores se assumem como prescritores da receita.