Se fosse aceitável algum orgulho cristão, o seu dia deveria ser, indiscutivelmente, o 1º de Novembro, solenidade de todos os santos. Com efeito, os santos são uma das principais razões do legítimo orgulho dos católicos, que só não é vanglória porque é seguido pelo dia de finados, em que a lembrança da morte, que é certa, e do imediato juízo, que também está garantido, desvanece qualquer soberba pessoal ou colectiva.

No passado dia 31 de Outubro, quando me encontrava em Arcozelo, com uma dezena de padres, numas jornadas de actualização teológica e pastoral, tive a graça de conhecer Santo Epimáquio de Pelúsio, de quem, confesso humildemente, ignorava a existência. Não tive a bênção de o ver em carne e osso, nem o seu espírito se me apresentou em nenhuma visão ou aparição, mas conheci-o através do ‘site’ do Secretariado Nacional de Liturgia, que consulto diariamente para a reza do ofício divino.

Segundo essa fonte oficial, no último dia do mês de Outubro celebram-se nove bem-aventurados, que viveram desde meados do século III até ao final do século XX. O primeiro dessa lista, Santo Epimáquio de Pelúsia, festeja-se em Alexandria, no Egipto, e foi um “mártir, que segundo a tradição, no tempo de perseguição do imperador Décio, ao ver como o prefeito obrigava os cristãos a sacrificar aos ídolos, tentou destruir a ara, sendo, por isso, preso, torturado e finalmente degolado” no ano 250 da era cristã. Foi, portanto, um dos muitos cristãos que foram mortos pelos imperadores romanos, nos três primeiros séculos da História da Igreja. Só com o édito de Milão, no ano 313, cessou a perseguição romana aos cristãos.

Na mesma data, “em Vermand, hoje Saint-Quentin, […] actualmente na França”, comemora-se “São Quintino, mártir, da ordem senatorial, que padeceu por Cristo no tempo do imperador Maximiano”, também no século III depois de Cristo. Muito embora os primeiros cristãos fossem, como os apóstolos, pessoas simples, também os havia de outro estrato social, como Nicodemos e José de Arimateia. Foi o caso de São Quintino, que, por ser da “ordem senatorial”, pertencia à aristocracia romana e confessou a sua fé em Cristo, com a prova do maior amor: o martírio (Jo 15, 13).

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Na actualidade, escasseiam os políticos mártires e abundam os que, para serem politicamente correctos, negam a fé. Nas primitivas perseguições também houve os lapsi, ou caídos, assim chamados porque ‘caíram’ na apostasia, autoexcluindo-se da Igreja, a que só podiam regressar pela absolvição sacramental. A descristianização da nossa sociedade não é apenas obra dos políticos anticristãos, mas também da cobardia dos católicos que, por conveniência pessoal, são cúmplices, por acção ou omissão, dos inimigos da Igreja, nomeadamente na aprovação de leis contra a vida e a família. Que São Quintino obtenha a graça da fortaleza cristã para todos os políticos cristãos.

Em “Fosses, no Brabante da Austrásia, no território da actual Bélgica”, notabilizou-se outro santo, também celebrado no último dia de Outubro: “São Felano, presbítero e abade que, nascido na Irlanda e irmão e companheiro de São Furseu, foi sempre fiel à observância monástica da sua pátria, fundou dois mosteiros – em Fosses e Nivelles – um para monges e outro para monjas, e no caminho entre os dois foi assassinado por salteadores”, no ano 655. Também agora são urgentes exemplos de padres santos, que sejam fiéis ao seu compromisso sacerdotal. Que São Felano interceda por todos os sacerdotes, para que sejam testemunhas vivas do Evangelho. Que este santo presbítero e abade socorra os padres injustamente perseguidos e mortos, no seu corpo ou no seu carácter, e obtenha a emenda dos que os matam, ou caluniam. Que São Felano alcance a salvação desses fulanos, como Santo Estêvão alcançou a conversão de São Paulo!

Igualmente a 31 de Outubro, em Milão, Itália, comemora-se “Santo Antonino, bispo, que trabalhou incansavelmente para extinguir a heresia ariana entre os Lombardos” e que faleceu no ano 661. Por feliz coincidência, também em Portugal há um Bispo D. Antonino, que o é de Portalegre e Castelo Branco, e que tem, em comum com o seu homónimo, para além da condição episcopal, o saber e a virtude. Que Santo Antonino interceda por todo o colégio episcopal, para que, unido ao Santo Padre na defesa da fé e da moral, trabalhe “incansavelmente para extinguir a heresia”!

O preenchido santoral do último dia do décimo mês refere igualmente São Wolfgang, também bispo, mas em Ratisbona, na Alemanha. “Depois de ter sido mestre-escola e ter abraçado a profissão monástica, foi elevado à sede episcopal, onde instaurou a disciplina do clero”, tendo falecido em 994. Bons tempos aqueles em que, na Germânia, de onde agora nos chegam preocupantes notícias relativas ao seu heterodoxo episcopado, havia bispos santos, que eram exemplo de sabedoria teológica, como São Wolfgang, que não em vão tinha sido mestre-escola, bem como de vida contemplativa, adquirida por virtude da “profissão monástica”. Graças à sua virtude e ciência, restaurou “a disciplina do clero”, que se alcança sobretudo por via de exemplos de santidade e de sabedoria.

Também no dia 31 de Outubro, a Igreja celebra o Beato Cristóvão, um dos primeiros frades franciscanos, enviado por São Francisco de Assis para a Aquitânia, e que faleceu em 1272. Também franciscano, o Beato Tomás de Florença, em missão na Terra Santa e na Etiópia, “sofreu por Cristo o cativeiro e as torturas por parte dos infiéis”. A Companhia de Jesus festeja o Beato Domingo Collins que, “durante um longo cativeiro, com repetidos interrogatórios e atrozes torturas, confessou firmemente a sua fé católica, consumando na forca o seu martírio (+1602)”. Também jesuíta era Santo Afonso Rodríguez que, ao enviuvar, “foi recebido como religioso na Companhia de Jesus e exerceu o ofício de porteiro durante muitos anos”. Dele se dizia que, sempre que tocavam à campainha, respondia: ‘Já vou, Senhor!’, porque era sempre a Jesus que, na pessoa do próximo, abria a porta: a santidade não está apenas nos grandes feitos, mas também nos pequenos serviços prestados com muito amor.

E, para que não se pense que os santos são gente do passado, é também nesta data que se celebra liturgicamente a São Leão Nowakowski, presbítero e mártir polaco, fuzilado em 1939, quando a sua pátria foi invadida pelos exércitos nazi e comunista, os dois principais totalitarismos do século XX. E, por último, Santa Maria Imaculada Conceição, fundadora do Instituto das Irmãs da Companhia da Cruz, falecida em 1998.

Nestes tempos em que a Igreja católica sofre pelos pecados de alguns dos seus membros e pela perseguição dos seus inúmeros inimigos, há que dá-la a conhecer através daqueles que melhor a representam: os santos. Não é por acaso que, dos nove bem-aventurados referidos, seis sofreram perseguição. Já dos doze apóstolos, um foi o traidor, mas os outros onze foram santos. É com o sangue dos mártires e a vida dos santos que se escreve a verdadeira história da Igreja.

Se é verdade que, à Igreja do terceiro milénio, como à de outras eras, não faltam escândalos, que são motivo de penitência e reparação, também é certo que muitos mais são os mártires e santos, motivo de acção de graças a Deus e do santo orgulho dos cristãos.