Não vou discutir o que Wolfgang Schauble disse ou não disse, e a que a oligarquia nacional reagiu com uma comovente unanimidade. Schauble é, no mundo, o contraponto do Papa Francisco. Com Francisco, toda a gente quer um selfie; com Schauble, ninguém deseja ficar na foto. Mas importa pouco o que Schauble disse. O que importa é que o ouviram, e ouviram-no, não apenas porque era Schauble, mas porque Schauble falou sobre Portugal, uma das economias mais endividadas, mais estagnadas e mais dependentes da ajuda europeia. A oligarquia, porém, só conseguiu descortinar a “irresponsabilidade” de Schauble.
Ao actual regime português nunca faltaram conceitos originais. Para os nossos oligarcas, parece que o crédito e a confiança se adquirem escondendo a verdade e negando os factos. A sua teoria da irresponsabilidade deriva daí. Irresponsabilidade é identificar problemas, falar de dificuldades, admitir riscos. Irresponsabilidade não é, como fez o governo, ter insistido durante demasiado tempo em cenários em que nunca ninguém acreditou, dentro e fora de Portugal. Irresponsabilidade não é, como fez o PCP, montar manifestações e atiçar greves contra um governo que o PCP sustenta no parlamento, apenas para oferecer aos seus sindicatos as 35 horas que, mais uma vez, dividiram os trabalhadores e vão oprimir o orçamento. Irresponsabilidade não é, como fez o BE, aproveitar o fim de semana do Brexit para tentar criar dúvidas sobre uma eventual ruptura de Portugal com a UE através de referendo. Irresponsabilidade não é nada disto, mas apenas admitir que um país onde o governo e os partidos que o apoiam se comportam desta maneira pode precisar de um programa de ajuda.
A culpa é de Schauble, claro. E, já agora, também de Angola, do Brasil, do Brexit e dos bancos italianos. A culpa, em suma, é de todos — menos daqueles que nos ministérios e no parlamento têm responsabilidades na governação. O “contexto externo” é outro, dizem-nos agora. Mas a modificação desse contexto estava prevista desde o ano passado, quando a China arrefeceu e o Brasil e Angola escorregaram. Neste momento, o contexto externo já serve ao governo para desculpar antecipadamente futuros fracassos. Mas porque é que não o usa para justificar mais prudência e mais transparência na governação?
A verdadeira mudança, porém, não foi a do contexto externo. Lembram-se da grande tese com que as oposições castigaram o governo de Passos Coelho entre 2011 e 2015? Sim, era essa: o que o país precisava era de crescimento económico, mais do que de consolidação orçamental. Que esperar, portanto, de um governo como o de António Costa, amparado pelas antigas oposições? Como é óbvio, que a medida do seu sucesso e da sua razão fosse o crescimento económico. E que estamos a ver? A meta do crescimento está aparentemente em revisão para baixa (1,8%?, 1,2%?), e é à meta do défice — 2,2% do PIB — que o governo e a maioria parlamentar se agarram. É disso que falam, é isso que ainda prometem, é com isso que esperam redimir-se, e é esse fim que justifica todos os meios e todas as maquilhagens — incluindo, segundo consta, o atraso de pagamentos. Mas não era a obsessão do défice a marca de água do neo-liberalismo?
Estamos perante duas hipóteses. Uma é a de que António Costa ande a ler Hayek. A outra é a de que a chamada “austeridade” nunca teve a ver com ideologias, mas dependeu de uma situação de crédito que não deixava ao país, fosse qual fosse o governo, outra alternativa, senão fazer o necessário para manter o financiamento do Estado e da economia. Mas se admitirmos a última hipótese, teremos então a medida da gigantesca irresponsabilidade daqueles que, na oligarquia política, negaram sempre essa evidência.