Eu gosto de números, sempre gostei, e mesmo não sendo economista e nunca tendo sido jornalista especializado em economia, há muitos anos (décadas?) que olho com atenção para o Orçamento do Estado. Pelo menos desde que ouvi Almeida Santos, provavelmente o governante que mais leis fez em Portugal, dizer que a lei do Orçamento era a única que realmente importava – porque era a única que realmente depois se aplicava. Contudo este ano, talvez por este Orçamento ser muito a continuação do Orçamento Suplementar, talvez por ser a terceira vez num ano que andamos a discutir contas públicas, talvez por causa de todo o nevoeiro em torno de minudências, a discussão orçamental não conseguia entusiasmar-me.

Até que li esta pequena frase num artigo de Carlos Guimarães Pinto: “Em 2021 o PIB estará, na melhor das hipóteses, ao nível de 2018. No entanto, a despesa com pessoal das Administrações públicas já terá crescido mais de 10%.” Ou seja, “enquanto o resto do país estará com um rendimento abaixo de 2018, a Administração Pública estará a gastar mais 10%”.

Isto não é apenas mais do mesmo – isto é muito pior porque a situação é mais grave, isto é arrastar-nos para o fundo. Ou ainda mais para o fundo, se é que tal é possível.

Na minha mocidade ainda quiseram que eu cantasse uma marcha que rezava assim: “Lá vamos, cantando e rindo/ Levados, levados, sim/ Pela voz de som tremendo/ Das tubas, clamor sem fim”. Eu não cantei, porque sabia ao que ia, e por isso nunca embarquei na Mocidade Portuguesa. Fiz bem: a marcha não levava de facto a lado nenhum.

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Agora já não pedem para nos fardarmos, nem sequer levantam a voz, mas levam-nos de mansinho “cantando e rindo” por este caminho, por esta rampa descendente, pois, como escreveu Joaquim Miranda Sarmento, “por decisão do governo e dos seus parceiros, vamos sair desta crise com um Estado ainda mais omnipresente, pesado, ineficiente e consumindo cada vez mais recursos”. “Levados, levados, sim…”

Porque é que é assim? E tinha mesmo de ser assim?

Naturalmente que estas questões me assaltaram depois de constatar esta realidade. Depois dos que têm mais competência do que eu terem apontado para as árvores que importava ver no meio da floresta de números e do foguetório da medidas e anúncios, a dúvida que sobra é se havia outro caminho.

Como todos sabemos há sempre outro caminho. Talvez menos fácil, talvez menos agradável para todos os que se sentam à “mesa do Orçamento”, mas sim, havia agora, como sempre houve nestes últimos anos, outro caminho.

E não, não é verdade que esse outro caminho fosse o da “austeridade”. Com todo o espaço que a descida dos juros abriu na última legislatura nenhum Governo precisava de “austeridade”. De resto o último orçamento de Passos Coelho já não era de “austeridade”, como a seu tempo escrevi.

Esse espaço orçamental podia ter sido aproveitado para reformar o Estado ou para engordar de novo o Estado (chamando-lhe “reposição de rendimentos”). Foi usado para engordar o Estado, foi até usado para fazer crescer as suas despesas correntes mesmo à custa das despesas de investimento. Agora, com o dinheiro que vai vir da Europa, tratar-se-á de recuperar o tempo perdido, e investir o que não se investiu, mas à custa das empresas e de qualquer esperança de bem aproveitar aquela que deverá ser a nossa última oportunidade. Não haverá depois mais pimenta da Índia, mais ouro do Brasil nem mais fundos de Bruxelas às pazadas — haverá apenas a tristeza de quem cá estiver a lamber feridas e carpir mágoas.

A seguir a um plano de recuperação estatocêntrico, veio agora um Orçamento assistencialista (à esquerda chamam-lhe “social”) e nada amigo das empresas e da criação de riqueza. Digamos que não surpreende.

Custa-me a crer que já alguém acredite que assim vamos a algum lugar a não ser sair desta crise ainda mais na cauda da Europa. Não foi Einstein que disse que “insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”, mas podia ter sido e se fosse talvez os nossos governantes o escutassem. Mas não. O discurso não muda, a orientação política também não, muitos dos protagonistas são os mesmos, e por isso é mesmo preciso de vez em quando levar com um safanão para acordar.

O meu safanão foi perceber que no final do ano que vem o nosso país estará tão pobre (sim, é de pobreza relativa que falamos) como estava há dois anos. Mas que estará a suportar um custo de pessoal da Administração Pública 10% mais elevado.

Como já sei quem vai pagar, se tivesse filhos em idade de emigrarem não hesitaria no conselho que lhes daria. É que isto assim, pelo caminho que leva, não tem futuro.