Os banqueiros centrais tiveram, na última semana, dias agitados de declarações. E com isso mostraram que algumas pombas se tornaram mais falcões, ou menos pombas. Para quem não está familiarizado com a língua de banqueiro central, a classificação de pombas é em geral dada aos que preferem juros mais baixos, enquanto os falcões são os que defendem que se ataque com a subida de juros ao mínimo sinal de inflação.

Regra geral os falcões são protagonizados pelos banqueiros centrais do norte e centro da Europa, enquanto as pombas vivem no sul. Nada de surpreendente, reflectindo, na prática, as preferências dos cidadãos dos seus países – uns odeiam a inflação, como os alemães, outros nem por isso, como os italianos ou mesmo os portugueses.

A surpresa desta última semana foi que Mário Centeno pareceu isolado, meio abandonado por uma das mais importantes “pombas”, membro da Comissão Executiva do BCE, o italiano Fabio Panetta. Numa entrevista ao La Stampa, a 5 de Maio, disse que “nas actuais circunstâncias, taxas de juro negativas e compra de activos podem já não ser necessárias”. Foi o suficiente para se ler que estava menos disponível para aceitar o adiamento da subida das taxas de juro, pois se juros negativos já não fazem sentido, do que se está à espera?

Também o economista-chefe do BCE, igualmente visto como avesso à subida dos juros, parece ter mudado de posição. E num evento do think-tank Bruegel disse que haverá um momento em que os juros vão subir. Também o vice-presidente do BCE Luis de Guindos afirmou na mesma altura, igualmente em entrevista, que os juros podem aumentar em Julho ou mais tarde, mas defendeu que a compra de activos deve terminar já em Julho.

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Na sequência de todas estas declarações, o economista do banco ING dizia ao Financial Times: “Este é provavelmente o momento em que as pombas choram e capitulam sob pressão dos falcões”.

Mais falcão, a alemã Isabel Schnabel, também da comissão executiva do BCE, foi bastante mais clara: “Na actual perspectiva, uma subida dos juros é possível em Julho”. Para não falar, obviamente, dos responsáveis pelos bancos centrais nacionais, membros do Conselho de Governadores. Um dos exemplos é a entrevista dada pelo presidente do Bundesbank Joachim Nagel. Concordando que o banco central não controla a oferta de produtos no mercado – como que respondendo aos argumentos de Lagarde, e seguida por aqui, que subir juros não altera o preço do petróleo –, sublinhou que os bancos centrais têm de salvaguardar a estabilidade de preços, sendo esse “o mandato”.

É neste ambiente de proliferação de declarações e com comentadores e analistas a contarem os que vão ficando menos pombas que o governador do Banco de Portugal Mário Centeno resolveu pedir aos seus colegas do Conselho de Governadores que tivessem “calma” e “ponderação”. Durante a apresentação do Boletim Económico de Maio, Mário Centeno diz: “A menos que algum desses membros do conselho de governadores tenha acesso a dados que ainda não foram divulgados, eu recomendaria alguma calma e ponderação nessas comunicações, porque ou somos dependentes de dados ou alguém tem acesso a informação que não está disponível para todos e há aqui uma assimetria”. Na sua perspetiva uma subida das taxas de juro é desejável, mas se não puser em risco a recuperação da economia.

Sendo certo que o BCE quer evitar o erro que cometeu em 2011 e está com medo de gerar de novo instabilidade financeira – leia-se, problemas aos países mais endividados, como a Itália ou mesmo Portugal – a rapidez com que os Estados Unidos estão a subir as taxas de juro arrisca a agravar ainda mais a inflação na Zona Euro por via da desvalorização do euro. E o BCE, não aumentando os juros, está a alimentar a inflação via importação, indo contra o seu mandato.

Neste momento começa a ser manifestamente impossível considerar que a inflação está circunscrita aos produtos energéticos e bens alimentares. Nem em Portugal isso está a acontecer. E uma inflação de 7,5% é quase quatro vezes aquele que é o objectivo do BCE.

Claro que o BCE tem uma escolha bastante difícil entre mãos, mas pode acabar no pior dos dois mundos: ver a inflação descontrolar-se e a economia a entrar em recessão. E, mais grave, perder credibilidade enquanto instituição independente que defende o valor do euro. Neste momento, com o que está a fazer, parece estar ao serviço dos governos, em vez de deixar os governos resolverem a parte que lhes compete: combater a recessão. E Mário Centeno neste ambiente de capitulação das pombas aparece, com as suas declarações, como a última das pombas.