Infelizmente já não tenho grandes esperanças que a agricultura, a floresta e as pescas ganhem peso e importância a nível político e social. Assim foi sem grande surpresa que constatei a manutenção da confusão estratégica governativa.

Sim a alimentação regressa para junto da agricultura e agora das pescas. Mas qual a estratégia para o sector agroalimentar? Qual a estratégia de Desenvolvimento Rural? Mantendo a floresta ministério “não económico”, quais as orientações de mercado de um sector vincadamente exportador? Mantém-se a coesão territorial isolada, como se tal fosse possível sem as actividades económicas de base rural, ou seja, a agricultura, a pecuária e a silvicultura?

Mas afinal o que queremos do Mundo Rural e da agricultura?

As duas crises que nos assolam vieram mostrar a quem estivesse distraído a importância da produção de alimentos seguros e de qualidade, ao ponto de hoje quando nos sentamos à mesa não pensamos nesses assuntos. Essa conquista não deve ser esquecida!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A importância da agricultura e floresta não se limita apenas à produção de “alimentos e matérias-primas”, muito pelo contrário. Enquanto os produzem, constroem-se paisagens. Desde as serras minhotas e planaltos transmontanos, passando pelo Douro vinhateiro, pelo mosaico agroflorestal do Centro e do Barrocal algarvio, pelo montado alentejano, terminando junto à costa em grandes estuários, como o do Tejo, podemos constatar essa realidade.

Estas paisagens suportam uma parte significativa do nosso “recurso turístico”. A agricultura e a floresta contribuem de forma significativa para um conjunto de serviços, que agora se catalogam como “dos ecossistemas”.

Dessa lista de serviços fazem parte a qualidade da água e do ar, a protecção do solo e a “famosa” biodiversidade. Esta biodiversidade à qual muitos se referem “como uma selva de animais selvagens” é na verdade constituída por espécies que se adaptaram a estas paisagens artificiais. Podem por isso ser apelidadas de “biodiversidade rural”.

Mas então porque é relevante sabermos de onde vêm os alimentos?

Quando consumimos um determinado alimento temos de ter consciência de toda a cadeia que está por detrás desse produto, desde a distribuição até à produção. Por quantas pessoas passou esse alimento. Quantas famílias dependem dessa longa cadeia e onde vivem essas pessoas. Ou seja, onde foi produzido, transformado e embalado.

Parece-me óbvio que todos reconhecem a importância dos alimentos. Mas será que sabemos as “consequências” das nossas decisões de consumo? Estamos conscientes de que ao comprar produtos nacionais estamos a contribuir para a coesão social e territorial? Estamos alertados para as consequências das nossas escolhas e do que elas podem significar em termos de rendimento das famílias, de postos de trabalho e de vitalidade das nossas vilas e aldeias?

Por isso é crucial ter um ministério que tutele o Mundo Rural com peso político suficiente para assegurar a coerência estratégica da política e da regulamentação das actividades agrícola e florestal. Um ministério que assegure e promova um objectivo económico sem por em causa as funções sociais e ambientais. Não podemos ter um “ministério repartido e dividido”.

Parte dessa importância parece ter sido reconhecida ao assumir o erro de separar a agricultura da alimentação. Juntos de novo, espera-se que desta forma a estratégia alimentar passe por um reforço da produção nacional, assegurando uma alimentação de qualidade e melhorando ao mesmo tempo os níveis de autossuficiência alimentar.

Mas porque é tão importante “o ministério” onde está o Mundo Rural?

A escolha ministerial revela a “prioridade política” dessa actividade. Pegando no exemplo da floresta, qual será a prioridade da política florestal? Produzir madeira e cortiça ou “ambiente”?

Estando a floresta na esfera do ministério do ambiente, irá a estratégia passar por produzir madeira enquanto matéria-prima para papel e mobiliário, ou será a floresta apenas para crescer e “armazenar carbono”, compensando os impactos de outras indústrias poluentes?

Sim a floresta é muito mais que incêndios, pragas, biodiversidade e carbono!

Nos últimos anos a floresta foi simplificada à gestão de risco e alterações climáticas. Não se houve um responsável governativo falar de outra coisa que não seja fogo, pragas e carbono. Não se discutem modelos produção, não se melhoram modelos de silvicultura, não se prepara e nem regula o acesso dos agentes aos mercados. Apenas cortamos mato e montamos armadilhas para ver se o carbono não se “evapora”.

Mas quais são esses “outros assuntos”? São a fraca produtividade da nossa floresta, em grande medida resultante de ausência de gestão. A incapacidade de ultrapassar o “trauma” da pequena propriedade melhorando de forma eficiente os modelos de organização, pois o problema não está na dimensão da propriedade está na deficiente organização. Ou a perda de florestas de “madeira de qualidade” capaz de gerar acréscimos de rendimento aos proprietários, potenciando o investimento na gestão florestal e a diversificação da paisagem.

Mas afinal o que queremos da nossa agricultura e floresta? O que queremos comer amanhã?

Hoje as novas estratégias europeias pressionam a opinião pública e os decisores políticos a “incorporar outros objectivos nas actividades do sector primário”. Mas a verdade é que ainda não conseguimos comer “areia, pedras nem carbono”. Por isso é fundamental que o Mundo Rural mantenha a prioridade de produzir alimentos seguros e com qualidade.

O que as recentes crises nos mostram é que pode ser perigoso abdicar dessa “soberania alimentar” que de repente todos nos recordamos, pois começamos a sentir na “carteira” as escolhas erradas que fizemos nas últimas décadas. Demos por adquiridas as nossas refeições sem nos preocuparmos de onde vinham, quem as produzia, a que preço e em que condições.

Preocupa-me a forma como serão construídos os mecanismos de apoio ao Mundo Rural não havendo uma estratégia política clara e consistente? Não existe uma agricultura sem floresta, nem floresta sem agricultura. Forçar esta separação é apagar séculos de história, da cultura e tradições do nosso País.