O facto de o Presidente russo mergulhar, na noite do “banho baptismal”, nas águas geladas do Lago Seliguer, não tornou a sua política externa e interna mais “piedosa”, como alguns tentam fazer crer, mas não passa de um novo espectáculo para o público de dentro e fora do seu país.

Alexey Druzhinin/AFP/Getty Images)

A atitude da Rússia face à última invasão da Noroeste da Síria pelas tropas turcas é disso mais uma prova concreta. À primeira vista, pode impressionar a posição que o Kremlin mantém face a mais uma violação das fronteiras sírias, o abandono a que, desta vez, sujeitou os curdos e o seu mais próximo aliado: o Presidente sírio, Bashar Assad.

Moscovo não prestou atenção ao comunicado emitido por Damasco de que “a República Árabe da Síria condena decisivamente a agressão turca contra a cidade de Afrin, que é uma parte inseparável da Síria”.

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Quanto aos apelos dos curdos, que veem na Rússia um aliado, eles também não surtiram efeito.

Enquanto as tropas turcas avançavam na direcção da cidade de síria de Afrin, controlada por milícias curdas, o Ministério da Defesa da Rússia, citando dados da comissão russo-turca que controla o cessar de fogo no terreno, fixou, no dia 21, dez violações do cessar de fogo noutras regiões da Síria: nas províncias de Alepo, Lataquia, Damasco e Déria.

A primeira reacção visível foi a retirada de Afrin dos militares russos que fazem parte do chamado Centro de Reconciliação das partes do conflito “para prevenir as possíveis provocações, excluir as ameaças à vida e saúde dos soldados russos”. A diplomacia russa, que não perde tempo a reagir, pela voz da sua porta-voz Maria Zakharova, contra “qualquer violação do Direito Internacional, desta vez, nem sequer abriu a boca para condenar a operação militar turca. Ficou claro que Moscovo deu luz verde à operação turca.

A “reacção” veio de Serguei Lavrov, ministro russo dos Negócios Estrangeiros, mas para justificar a operação militar turca, atribuindo as culpas aos Estados Unidos: “muitos politólogos perguntam porque é que nós sofremos e dizem que quanto pior, melhor: que os Estados Unidos provem a sua incapacidade de chegar a acordos, o seu papel destrutivo nos assuntos mundiais, seja no Irão ou na Síria, onde hoje também são desencadeadas acções unilaterais que já provocaram a raiva da Turquia”.

Não havendo dúvidas de que os Estados Unidos têm séria responsabilidades na agudização dos conflitos no Médio Oriente, os erros de Washington não podem justificar a política do Presidente turco Recep Tayyip Erdogan de invasão de um Estado vizinho, tanto mais quando se trata, neste caso concreto, do território de um aliado da Rússia.

Lavrov, de forma indirecta mas clara, apoiou a acção turca porque os ataques visam os curdos e outras forças sírias que são apoiados pelos Estados Unidos e outros países da coligação internacional. Ou seja, por detrás de difícil retórica, apoia o velho princípio do dividir para reinar. Não é difícil imaginar o regozijo reinante no Kremlin face à luta entre parceiros da NATO na Síria, entre a Turquia e os países ocidentais.

Mas um conflito como o da Síria não tem solução rápida e as coisas podem mudar radicalmente, como já aconteceu. Recep Tayyip Erdogan já “apunhalou pelas costas” o seu homólogo russo, quando abateu o avião militar russo na fronteira russo-turca, e pode voltar a fazê-lo, pois, naquela região, os interesses de Moscovo e Ancara são muito diferentes e, por vezes, antagónicos.

Receio que o mergulho que Vladimir Putin deu nas águas geladas do Lago Seliguer não lhe tenha refrescado as ideias e que, por isso, a política externa cegamente anti-ocidental nada traga de bom à Rússia.