Eis que nos encontramos no segundo mês de guerra na Europa, com as consequências devastadoras para o nosso quotidiano, sem fim à vista, quando entra em funções o novo Governo. E se este acontecimento tem o potencial de nos gerar certezas pouco absolutas, o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, entre a tirania e os valores europeus, da democracia e da liberdade, levanta-nos muitas dúvidas. No entanto, ambos contribuem para o mesmo desiderato, a defesa de um novo termo no léxico público e Governamental: Soberania Alimentar.

O atual contexto é caracterizado pela incerteza, volatilidade, tensão e ansiedade, os indesejados, mas expectáveis, efeitos de uma guerra. No que à Alimentação diz respeito, o momento também é caracterizado pelos efeitos da seca na produção agrícola e pecuária. As chuvas dos últimos dias, muito bem-vindas, não compensam tudo o que já não foi possível produzir e ainda reina a incerteza quanto à campanha de primavera, sobretudo no que respeita ao milho, essencial, por exemplo, para a alimentação dos animais que dão origem a carne, leite e ovos. É muito difícil a tomada de decisões de curto prazo, quer para a produção de cereais, quer para a compra de todas as matérias-primas para a alimentação animal. Os mercados não têm estabilidade e estamos muito longe de prever o fim da guerra e o regresso à normalidade possível. Receamos, assim, a volatilidade dos preços e a consequente especulação, o que, por seu turno, pelo agravamento da inflação, pode induzir à instabilidade social.

Nesta conjuntura, é ainda mais importante que exista estabilidade absoluta na defesa da Soberania Alimentar das populações, no geral, e da portuguesa em particular. A coesão e coerência na defesa de posições pelas áreas que nos tutelam é mais importante que nunca, seja a nível nacional, ou no quadro da União Europeia. Porque os próximos anos vão ser de grandes desafios e a guerra recordou, assim o esperamos, os nossos governantes da importância deste aspeto das nossas vidas e da nossa economia, aqui deixamos, qual caderno de encargos, uma breve análise às áreas para as quais a Soberania Alimentar deve ser um conceito inesquecível.

Em primeiro plano temos, evidentemente, de focar-nos no Ministério da Agricultura. Nesta linha defendemos, desde há muito, que o Ministério da Agricultura acrescente à sua designação o termo Alimentação.Porque, de facto, temos hoje uma PAC (Programa de Política Agrícola Comum da União Europeia) mais alimentar do que nunca, fazendo, assim, todo o sentido perspetivar as cadeias de valor e a alimentação junto dos consumidores.  Num segundo olhar, e pelas interações evidentes entre as duas áreas, é forçoso olhar para o Ministério do Ambiente. Esperamos de Duarte Cordeiro, aparentemente um político com sentido prático, um olhar ambicioso, mas simultaneamente pragmático e de bom-senso acerca das políticas ambientais com impacto na agricultura. Por fim, mas não menos importante, o Ministério da Economia.  O facto de o Ministério da Economia ser dirigido pelo “pai” do Plano de Recuperação e Resiliência pode ser uma boa notícia, mas isso não está garantido.  No que à produção de alimentos diz respeito, importa lembrar que é importante que os montantes previstos para as Agendas Mobilizadoras cheguem ao terreno, às empresas, e não fiquem nas estruturas intermédias. São elas que irão possibilitar a implementação de muitos dos projetos de adaptação das estruturas produtivas às alterações climáticas, bem como à mitigação dos seus efeitos.

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Além dos objetivos que devem nortear a legislatura há, ainda, no que à conquista da Soberania Alimentar diz respeito, preocupações do setor no muito curto prazo. A saber: renovação da linha de crédito de apoio à tesouraria para a indústria transformadora, uma vez que o valor apresentado já foi esgotado, como, aliás, se esperava dada a dificuldade das empresas em suportarem o elevado custo das matérias-primas; a “reanimação” da Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar (PARCA) que se centra, em grande medida, na relação entre a produção, a Indústria Agroalimentar e a Grande Distribuição, uma vez que as relações de poder entre estes agentes é, ainda, em grande medida, desequilibrada; manutenção do Grupo de Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens Alimentares, grupo criado pelo anterior executivo para responder aos constrangimentos da pandemia, mas cuja existência é ainda totalmente justificada pela situação de guerra em que vivemos.

A Agricultura, em geral, e a Alimentação Animal, em particular, quer contribuir para um Portugal mais inclusivo, moderno, menos dependente do exterior e afirmando-se no quadro da União Europeia.

A Soberania Alimentar tem de ser um dos nossos objetivos.

Esperamos que a todos beneficie, em nome do direito à Alimentação.