O bisneto de Winston Churchill, Randolph Churchill, vai estar na Madeira no final desta semana (24-25 de Janeiro), na 2ª edição anual das Conferências do Atlântico. A ocorrência merece ser notícia em si mesma. Mas será ainda mais relevante se reflectirmos sobre o significado político e intelectual da ocorrência.
Em primeiro lugar, naturalmente, Randolph estará celebrando a visita de seu bisavô à Madeira, em Janeiro de 1950. E estará assinalando os 150 anos do nascimento de Winston, a 30 de Novembro de 1874. Este 150º aniversário do nascimento de Winston Churchill será celebrado em inúmeros eventos ao longo deste ano de 2024, sobretudo no Reino Unido e nos EUA. A Conferência do Atlântico na Madeira vai ser o primeiro desses inúmeros eventos internacionais.
Escrevi aqui há duas semanas sobre a pluralista consonância entre as datas que vamos celebrar neste ano de 2024: os 50 anos do 25 de Abril, os 100 anos do nascimento de Mário Soares e de Maria Barroso, e os 150 anos do nascimento de Winston Churchill. Argumentei na altura que no centro destas celebrações está a oposição a todas as formas de autoritarismo. É certamente uma feliz coincidência, ou talvez não apenas uma feliz coincidência, que possamos iniciar estas celebrações nas Conferências do Atlântico na Madeira com o bisneto de Winston Churchill.
Randolph vai sobretudo falar sobre “Winston Churchill, The Freedom of the Sea and the Atlantic Charter” – título da sua comunicação, que deu o título global da Conferência. Não me compete tentar antecipar aqui o que irá dizer, e que todos aguardamos com muito interesse.
Mas gostaria de enfatizar a dimensão marítima euro-atlântica do seu título, bem como a dimensão marítima euro-atlântica das Conferências do Atlântico na Madeira. Para abreviar uma longuíssima história, seja-me permitido citar Karl Popper sobre a emergência da Sociedade Aberta na marítima Atenas do século V a.C. e do seu contraste com o autoritarismo colectivista de Esparta:
“Talvez a mais poderosa causa do colapso da sociedade fechada tenha sido o desenvolvimento das comunicações marítimas e do comércio. O contacto estreito com outras tribos desafia o sentimento de necessidade com que as instituições tribais são percepcionadas; e a troca, a iniciativa comercial e a independência podem afirmar-se, mesmo numa sociedade em que o tribalismo ainda prevalece […] Por esta razão, nós verificamos que, durante mais de um século, o império, a frota, o porto e as muralhas foram odiados pelos partidos oligárquicos de Atenas e foram considerados símbolos da democracia e da sua força, que aqueles partidos queriam destruir” [Karl Popper, A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, 1945].
Karl Popper gostava de sublinhar uma adicional característica das culturas marítimas euro-atlânticas herdadas da Atenas liberal e democrática: o seu respeito pelo pluralismo e pela civilizada concorrência entre propostas rivais, assente numa espontânea recusa de discursos revolucionários fundados no ódio ou/e no ressentimento tribais.
Ralf Dahrendorf, que foi aluno de Popper na London School of Economics logo após a II Guerra, e depois seu Reitor entre 1975 e 1985, gostava de citar Popper como um dos seus principais inspiradores. E ambos gostavam de citar Edmund Burke – crítico do radicalismo da Revolução Francesa de 1789 e simultaneamente defensor da moderada Revolução Americana de 1776. Uma das suas preferidas citações de Burke – sobre a crucial importância do equilíbrio e da moderação — tinha uma forte dimensão marítima:
“Tenho pouco para recomendar as minhas opiniões para além de longa observação e muita imparcialidade […] Vêm de alguém que dedicou a maior parte da sua vida pública à defesa da liberdade dos outros”. […] Alguém que, quando o equilíbrio do navio em que navega pode ser ameaçado por excesso de peso num dos lados, está desejoso de carregar o pequeno peso dos seus argumentos para o lado que possa restabelecer o equilíbrio.” [Edmund Burke, Reflexões sobre a Revolução em França, 1790].
Este sentido de equilíbrio e moderação é – e tem sido sempre — objecto de escárnio pelos fundamentalismos revolucionários de sinal contrário. Infelizmente, está hoje também em risco no interior das democracias euro-atlânticas.
Talvez por isso mesmo, este sentido de equilíbrio e moderação possa ser hoje recordado como estando no centro da pluralista consonância entre as datas que vamos celebrar neste ano de 2024: os 50 anos do 25 de Abril, os 75 anos da NATO, os 100 anos do nascimento de Mário Soares e de Maria Barroso, e os 150 anos do nascimento de Winston Churchill.