1 Na passada quinta-feira, teve lugar na Universidade Católica a tradicional Palestra Anual Alexis de Tocqueville, promovida pelo Instituto de Estudos Políticos daquela Universidade (IEP-UCP). Na cerimónia, presidida pela Reitora Isabel Capeloa Gil, foi atribuído a Jorge Miranda o Prémio Fé e Liberdade. O Elogio do premiado foi feito por Mário Pinto — que tinha recebido o Prémio Fé e Liberdade em 2013, sendo nessa cerimónia o seu Elogio proferido por Manuel Braga da Cruz.

Não seria possível fazer neste espaço justiça às eloquentes intervenções dos dois oradores e à inspiradora Abertura da cerimónia pela Reitora. Os textos integrais serão publicados na próxima edição (Nº 76) da revista Nova Cidadania. Mas talvez seja possível registar aqui alguns breves apontamentos.

2 Tratou-se de uma festa intelectual e académica sobre os princípios fundamentais da Liberdade ordeira sob a regência das Leis e não dos caprichos dos homens. Simultaneamente, foram dadas aulas magistrais sobre como a liberdade ordeira sob a lei é matricialmente inspirada pelo diálogo entre Fé e Razão, e entre Fé e Liberdade.

Estes temas são centrais na história, na cultura e na cultura política do Ocidente. E serão talvez particularmente relevantes entre nós, dado que o nosso século XX foi dominantemente marcado pela errónea dicotomia entre Fé e Liberdade. Na I República, sob influência do jacobinismo francófono, foi dito que a Fé se opunha à Liberdade. Na II República, também chamada ‘Estado Novo´, foi dito que a Liberdade se opunha à Fé. E, durante o chamado PREC, voltou a ser dito que a Fé se opunha à Liberdade.

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3 Estes discursos aparentemente antagónicos fizeram-se acompanhar de perseguições mútuas entre facções rivais. E ilustraram de forma trágica a dicotomia detectada por Alexis de Tocqueville entre “Antigo Regime e Revolução, entre servidão e abuso”. Tocqueville argumentou precisamente que uma das origens cruciais dessa triste perpétua oscilação entre Antigo Regime e Revolução se encontrava na errónea oposição entre Fé e Liberdade — uma errónea oposição que era particularmente frequente na cultura política do seu país, e que ele contrastou com a conjugação entre Fé e Liberdade na cultura política da Democracia na América.

4 Tenho ainda gosto em mencionar que, precisamente uma semana antes da Palestra Tocqueville e do Prémio Fé e Liberdade, na quinta-feira 10 de Fevereiro, teve lugar a primeira sessão do novo Seminário conjunto entre o IEP-UCP e o Labô (Laboratório de Política, Comportamento e Mídia) da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo. Retomando o programa do ano lectivo passado, o tema continua a ser “Seis Revoluções da Era Moderna: a Inglesa de 1688, a Americana de 1776, a Francesa de 1789, a Portuguesa de 1820, a Brasileira de 1889 e a Russa de 1917”.

No estudo comparado entre essas seis revoluções, um dos temas centrais em análise é precisamente a diferente percepção de cada uma delas sobre e relação entre Fé e Liberdade.

Post Scriptum: A chantagem da Rússia. Terei de deixar para uma próxima crónica (agora com periodicidade quinzenal) uma reflexão mais detalhada sobre a gravíssima ameaça russa à Ucrânia e à ordem mundial fundada em regras. Mas não posso deixar de exprimir a minha indignação perante a dissonância cognitiva, para dizer o mínimo, que está a ser ostensivamente exibida na nossa praça pública, bem como na de outras democracias ocidentais. O regresso do delírio anti-americano não é talvez surpreendente em sectores da esquerda — e, pensando bem, com auxílio de Tocqueville, talvez também não seja totalmente surpreendente em sectores da direita iliberal. Felizmente, a NATO e a União Europeia, esta após algumas hesitações iniciais, têm respondido com firmeza e dignidade à inadmissível chantagem da ditadura russa, agora também apoiada pela ditadura chinesa. Voltarei a este tema.