Liz Truss assumiu o cargo de primeira-ministra formalmente no dia 6 de setembro, num momento em que o contexto económico e político periclitante e turbulento do Reino Unido encontrava-se (e ainda se mantém) com inflação e aumento nos preços de bens essenciais e de energia a bater recordes diariamente. Os 45 dias de Truss transformaram-se em um período horribilis: não conseguiu que o seu plano económico (miniorçamento), comparado à ação política e económica de Margaret Thatcher, fosse aceite pelos vários quadrantes da sociedade britânica, tão-pouco pelos mercados internacionais, o que levou à intervenção do Banco de Inglaterra quando a libra caiu para mínimos registados, à sequência da apresentação do plano.
No espetro político, Liz Truss perdeu a confiança dos parlamentares do seu próprio partido após o desastre do plano económico e da demissão de dois ministros: Kwasi Kwarteng (Finanças) e Suella Braverman (Interior). Kwasi Kwarteng, o rosto do “miniorçamento” apresentado a 23 de setembro, caracterizou-se como a última gota do dilúvio “atmosférico” conturbado de turbulência política e financeira que se seguiu.
Após a demissão de Kwarteng, Jeremy Hunt assumiu a pasta das Finanças, o qual remeteu à “seca” grande parte das políticas que tanto seu antecessor quanto Truss vinham a defender como a única solução para a crise que o Reino Unido (e o mundo) estão a enfrentar devido às consequências diretas e indiretas da invasão russa à Ucrânia.
Nas declarações de Liz Truss, em frente ao n.º 10 de Downing Street, a primeira-ministra demissionária apontou que, apesar de possuir uma “visão para a economia de baixos impostos e alto crescimento que tiraria vantagem das liberdades do Brexit”, o atual contexto (de “instabilidade económica e internacional”) não lhe permitira prosseguir com o seu mandato.
Todavia, essa confusão governativa que se verifica sobretudo nos últimos seis dos 12 anos de governos do Partido Conservador britânico tem as suas raízes não só na saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), na pandemia e nos efeitos da guerra na Europa, mas também na ação de líderes e primeiros-ministros conservadores que consecutivamente governavam em escândalo atrás de escândalo, de sorte que os danos políticos e económicos são incomensuráveis num futuro próximo.
O colapso do governo do Reino Unido pelas mãos do Partido Conservador britânico tem sido uma constante, pela catadupa de crises em que se viram os seus líderes e membros. O partido encontra-se debaixo de um guarda-chuva furado, onde a divisão interna é bem visível até à inexistência de um consenso para o futuro candidato que substituirá a líder conservadora e primeira-ministra demissionária, Liz Truss.
Os membros do partido, que não chegam aos 200 mil, escolherão internamente o próximo primeiro-ministro – não será o momento para começarem a perguntar-se o que andam a fazer nos últimos 12 anos de governo conservador? Entregar o poder de decisão a um número percentualmente reduzido em comparação com o todo da população britânica possui um único significado: medo de perder um poder que já se encontra inerte. A única solução que não se encontra em cima da mesa é a convocação de eleições gerais antecipadas por parte dos tories – cujo partido detém a maioria na Câmara dos Comuns –, já que, com a eleição do novo líder conservador, automaticamente o primeiro-ministro britânico também é escolhido.
De facto a sobrevivência política do Partido Conservador está em causa e, por esse motivo, evitará a todo o custo a convocação de eleições gerais antecipadas (previstas para o início de 2025), uma vez que, nas últimas sondagens do YouGov (antes da demissão de Liz Truss), estimou-se que o Partido Trabalhista britânico (Labour) venceria as eleições gerais com 51%, contra 23% do Partido Conservador.
Após a demissão da primeira-ministra britânica, não só a libra valorizou nos mercados, como também houve o surgimento de possíveis candidatos para a disputa da liderança do Partido Conservador e consequente cargo de primeiro-ministro, com alguns nomes mais ponderados do que outros: Rishi Sunak é o candidato natural à disputa, uma vez que foi o adversário direto de Liz Truss; Penny Mordaunt, ex-secretária da Defesa e atual líder na Câmara dos Comuns, ficou em terceiro lugar na última corrida para a liderança do Partido Conservador; Ben Wallace é o atual ministro da Defesa; Jeremy Hunt, atual ministro das Finanças, substituiu Kwarteng (já mencionou que não tem intenção de disputar a liderança); e, com surpresa, o nome do antigo primeiro-ministro, Boris Johnson, encontra-se na corrida. A falta de integridade política deve ser estrutural, já que sobreviver a escândalos torna-se o guarda-chuva (mesmo furado) que decide se um candidato é “governável” – bem-vindo, Boris; adeus, Partido Conservador.
A contestação da sociedade e da oposição já se começou a notar. Os partidos da oposição (Labour, Partido Nacional Escocês e os Liberais Democratas) já vieram exigir que ocorram eleições gerais antecipadas para combater todo o caos que as seis semanas governativas de Truss espelharam no seio político e social britânico. Por exemplo, Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista, referiu que “o povo britânico merece [algo] muito melhor” ao fim de 12 anos de governo conservador. Até a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, que se encontra a braços com o governo de Londres sobre a questão da independência, pediu a convocação de eleições gerais antecipadas, já que são um “imperativo democrático”.
Numa ação da sociedade civil, decorre desde o dia 17 de outubro uma petição pública online a esse favor, contando já com mais de 630 mil assinaturas. Porém, é pouco provável que ocorram eleições gerais antecipadas, não só devido ao que ficou estabelecido na Lei de Dissolução e Convocação do Parlamento de 2022 – que restabeleceu o poder ao primeiro-ministro de convocar eleições (com a autorização do monarca) –, mas também ao temor que os tories têm de perdê-las.
Para além desse poder readquirido pelo primeiro-ministro, ainda existem as possibilidades de derrota do governo num voto de desconfiança (também pouco provável, devido à maioria dos tories) e de uma ação do monarca, que tecnicamente poderia dissolver o parlamento com a ativação de uma cláusula da constituição (o que dificilmente sucederá).
Truss afirmou ser “uma lutadora” e que não desistiria – mas não o cumpriu, tendo resistido menos à tempestade das últimas semanas do que a “alface iceberg” do jornal sensacionalista britânico na transmissão online em direto. É como diz o ditado: quem gosta de andar à chuva acaba por se molhar.
(Texto redigido de acordo com o novo acordo ortográfico.)