O provérbio é, aparentemente, chinês. Uma das pessoas que gostava de o citar era o ex-ministro das Finanças Sousa Franco, que morreu exatamente numa campanha eleitoral, de 2004, para as europeias. “Quando o sábio aponta para a Lua, o idiota olha para o dedo”, dizia. (Tentei lembrar-me em que circunstância o ouvi dizer isso, mas não consegui). É um ditado que chega à memória por causa daquilo a que vamos assistindo especialmente em dois temas: a imigração e a corrupção. Fica para outro dia o tema da corrupção. Hoje falamos de imigração.

Não há aqui sábios nem idiotas. O provérbio, adaptado ao que vamos assistindo na nossa vida coletiva, vai mais no sentido de os cidadãos apontarem para a Lua e os políticos olharem para o dedo. Não é o que diz o Chega que é um problema, o problema está nas razões que levam algumas pessoas a aderirem ao seu discurso. Tem de se perceber que problemas estão as pessoas a enfrentar para que as suas emoções as levem a simpatizar com soluções que ou são irracionais ou não são as melhores para problemas que, de facto, existem.

É na ausência de acção ou omissão dos governantes que temos de encontrar as causas. É no distanciamento em relação ao quotidiano do cidadão comum, que todos os dias vai trabalhar, paga os seus impostos, tem de usar os serviços públicos, vive com vizinhos imigrantes que compreende mal e assiste a sucessivas buscas e suspeitas que recaem sobre governantes, a par da lentidão da justiça, que temos de encontrar a resposta para combater a polarização da sociedade.

Uma população urbana que, com elevada probabilidade, nunca conviveu com um cigano ou não tem à sua porta imigrantes que não compreende, está muito afastada do que são as preocupações de quem vive nesse mundo. Os portugueses viveram sempre em geral bem com a comunidade cigana, em localidades no Alentejo eram vizinhos. O que não conseguem suportar é que algumas pessoas dessa comunidade violem as regras e a lei sem que nada lhes aconteça, com a polícia cada vez mais receosa de se ver condenada por actuar.

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No caso dos imigrantes o problema pode ser bastante diferente. Há vários fenómenos recentes que requerem atenção. O primeiro é o acentuado crescimento da comunidade brasileira que está a gerar, surpreendentemente, a rejeição em algumas comunidades. É uma tendência que causa alguma perplexidade se nos lembrarmos de como gostávamos dos brasileiros aqui há uns anos, como os achávamos divertidos e culturalmente próximos de nós. É preciso perceber o que se está a passar.

A segunda tendência é o crescimento das comunidades asiáticas, com alguns imigrantes a viverem em condições desumanas e com fortes suspeitas de tráfico de pessoas. Temos assistido a algumas operações policiais, mas que dão mais espectáculo mediático do que resolvem o mínimo problema que seja. Quem vive perto dessas comunidades sabe que depois de todos se irem embora, polícias e jornalistas, os imigrantes regressam para os mesmos sítios onde estavam a viver, sem que nada tivesse mudado. Porque as autoridades, efectivamnete, não têm soluções e escolhem o espectáculo. Estas comunidades asiáticas são sentidas como culturalmente mais distantes e o desconhecimento, a ignorância, leva frequentemente medos injustificados.

A procura de uma vida melhor, que corresponde à imigração por razões económicas, deve ser entendida como um direito da humanidade. Mas os países que acolhem quem correu o risco de mudar de país tem de ter políticas que garantam a sua integração. E é isso que nos tem falhado, políticas que aproximem os nativos dos imigrantes e que os integrem, para que as emoções do desconhecimento, que gera o medo e a rejeição, não crie a atracção pelos partidos populistas anti-imigração. E não vale a pena tentar convencer as pessoas com os argumentos económicos que, como veremos mais adiante com base em estudos sobre o tema, não vão convencer os que já se sentem inseguros.

O peso da imigração tem aumentado em todos os países desenvolvidos, e Portugal não é excepção. O último relatório da OCDE, o Internacional Migration Outlook 2023 revela que se atingiu, em 2022, um recorde de entrada de 6,1 milhões de imigrantes nos países membros da organização, mais 26% do que em 2021. A maior parte deste aumento – que exclui os refugiados ucranianos – é explicado por razões humanitárias e de trabalho.

Portugal ocupa a 13.ª posição num conjunto de 26 países com dados comparáveis, em que o líder é os EUA seguindo-se a Alemanha. Foram 120,9 mil pessoas que entraram em Portugal em 2022, mais 28,9% do que em 2021. Mas se olharmos para o número total de imigrantes em percentagem da população, Portugal está na nona posição, com pouco mais um por cento, mais do dobro da média de 2013 a 2019. Cá como nos países da OCDE em geral está a assistir-se a um crescimento muito rápido da imigração e os seus efeitos têm de ser considerados.

Que efeitos políticos tem? Um estudo de 2022 de Alberto Alesina e Marco Tabellini, com o título “The political effects of immigration: culture or economics”, além de fazer uma síntese de vários trabalhos sobre o tema, analisa as razões que levam à rejeição dos imigrantes. Em termos gerais, todos os estudos concluem que, em média, a imigração desencadeia acções de rejeição por parte dos nativos e favorece os partidos conservadores de direita.

Mas, alertam os autores, esse é o efeito médio. Porque a imigração pode levar a movimentos de esquerda, aumentando a abertura a diversidade, sendo isto mais provável de acontecer quando “os nativos e os imigrantes interagem por um longo período de tempo e são à partida mais liberais”. Há igualmente menos rejeição quando os imigrantes são percebidos como muito qualificados.

Porque rejeitam os nativos os imigrantes? As conclusões deste e de outros estudos dizem-nos que “as forças de origem cultural são mais fortes do que as económicas”. Quando os imigrantes são diferentes dos nativos do ponto de vista étnico, racial e cultural é mais provável que sejam rejeitados e, citando ainda o mesmo estudo, em regra os nativos sobrestimam o número de imigrantes que vive na comunidade e consideram que são mais pobres, menos educados e culturalmente mais diferentes do que é de facto a realidade. Além disso, os imigrantes são rejeitados mesmo quando melhoram as condições de vida dos nativos.

Um dos aspectos que Alesina e Tabellin identifica como um “puzzle” é o facto de “os sentimentos anti-imigração se traduzirem num maior apoio dos partidos de direita, área política menos favorável à redistribuição e ao Estado Social”. A explicação que colocam como hipótese é que isso ilustra o maior peso que os nativos dão às questões culturais, em detrimento das económicas, nas suas escolhas políticas. Além disso, “como identificam os imigrantes como pobres e culturalmente diferentes, os nativos podem preferir menos redistribuição quer porque não os querem subsidiar, quer porque não querem partilhar os bens públicos”.

Conseguimos identificar bem todas estas características nos mais diversos comentários que vamos ouvindo. Desde ‘ficam com os nossos subsídios’ ou ‘temos de lhes pagar subsídios’ até ‘têm saúde de graça e enchem as urgências’, todas essas frases ilustram bem o retrato que os estudos dão sobre os efeitos políticos da imigração.

Mas deixam-nos igualmente pistas de soluções. Se as escolhas políticas, e mais importante ainda a rejeição dos imigrantes, tem a sua causa no maior peso que dão aos factores culturais em detrimento dos económicos, é na aproximação das comunidades que está uma das soluções para reduzir esse choque. As autarquias podem ter aqui um papel muito importante, criando eventos que juntem as comunidades nativa e de imigrantes. Campanhas que deem a conhecer a cultura dessas comunidades podem igualmente ser importantes, já que estão mais próximos de nós do que imaginamos. O retrato dos imigrantes a viver em Portugal, dado pelo Censos, mostra aliás que a maioria trabalha, 44,5% vive em núcleos familiares com um filho e quase 40% têm o ensino secundário ou pós-secundário. Ou seja, não vivem de subsídios nem são regra geral menos educados nem têm uma vida muito diferente da nossa.

O que não é uma solução é, primeiro não falar do assunto ou falar dele para atacar o Chega – o que significa atacar as pessoas que estão com essas preocupações. E em segundo lugar reduzir os nossos direitos de liberdade de expressão e manifestação porque não queremos compreender as preocupações de quem vive lado a lado com imigrantes que não compreende e dos quais pode ter medo. Foi isto que aconteceu com a proibição da manifestação marcada para dia 3 de Fevereiro e que gerou a intenção de uma contra-manifestação. Vale a pena ler António Barreto para perceber porque é um erro proibir essas manifestações.

Os políticos que valorizam os direitos humanos, o direito que qualquer ser humano tem de procurar uma vida melhor, têm de ser capazes de convencer os seus compatriotas de que não há razões para ter medo dos imigrantes. Simultaneamente temos de ter políticas muitíssimo mais ativas de integração para não cometermos os erros, por exemplo, de França.

Não podemos continuar a olhar para o dedo em vez de olharmos para a Lua.  Há pessoas verdadeiramente preocupadas com a imigração que merecem dos políticos que as representam uma resposta. Criticar quem tem essas preocupações é atirar lenha para a fogueira de movimentos anti-imigração.