Na presença deste ataque que se quis cirúrgico aos laboratórios de armas químicas sírias, a questão essencial é: terá sido um ataque justificado para pôr fim ao uso de armas químicas na Síria? O facto do ataque ter tido a participação de EUA, Reino Unido e França não é só por si um conforto pois os dois primeiros países têm líderes fracos em busca de popularidade, (e nada melhor que uma pequena e vitoriosa acção militar para a dar), e o último tem um Presidente que ainda se está a revelar e a fazer como líder. Por outro lado é uma ação militar que não tem o  beneplácito da comunidade internacional, nomeadamente das Nações Unidas. Daí que me tenha interrogado sobre se Obama, esse sim uma referência moral mais sólida, teria desencadeado este ataque.

Recordemos o que se passou em 2013. Um ataque em larga escala com armas químicas em Ghouta, da qual se estima terem morrido cerca de 1000 civis, foi atribuído a Assad que, obviamente, o negou. Os investigadores das Nações Unidas encarregados de investigar o ataque foram alvejados por snipers, e impedidos de chegar a alguns locais. Em Agosto, a Casa Branca atribuiu a Assad a responsabilidade desse e de outros ataques com armas químicas e Obama afirmou que não excluiria um ataque cirúrgico a instalações sírias, ponderando solicitar ao Congresso permissão para esse ataque. Cameron tentou passar no parlamento britânico a possibilidade de um ataque à Síria e falhou. No mês seguinte o ministro dos estrangeiros russo Lavrov, propôs a John Kerry, então Secretário de Estado, que a Síria se comprometeria a destruir todo o seu arsenal químico e os EUA não atacariam. Obama dificilmente avançaria unilateralmente, sem o seu principal aliado.

Olhando para o historial de actividade de armas químicas pelo regime brutal e cruel de Assad, bem como a resposta da comunidade internacional e do próprio Obama, neste período de seis anos, desde que Assad assumiu publicamente que tinha um arsenal de armas químicas em 2012, podemos tirar algumas conclusões. Existe evidência suficiente que Assad terá utilizado por diversas vezes armas químicas, durante a guerra civil que perdura. O próprio “estado islâmico” as terá utilizado também. A Síria internamente e a Rússia, no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), têm colocado permanentes entraves ao esclarecimento da verdade destes ataques, quer bloqueando ou adiando as investigações no terreno quer vetando resoluções no CSNU. É o caso de uma resolução de 12 de Abril, condenando um ataque químico de 4 Abril de 2017 na província de Idlib e sugerindo a abertura do terreno para investigadores, mas sobretudo do veto russo à resolução do CSNU que prolongava até Novembro de 2018 o mandato da organizacao das Nações Unidas na Síria que tem acompanhado a redução do stockde armas químicas sírio com vista à sua eliminação total.

Assim, liberto em Novembro passado da inspeção das Nações Unidas, em solo sírio, os generais de Assad, puderam provavelmente sentir-se mais livres de usar as armas químicas de forma “discreta”. Caso essa acção se tornasse visível, como tudo indica foi o caso recentemente, podem contar com os seus amigos russos para dificultar as investigações, como aconteceu. Se é certo que a Síria tem feito um caminho assinalável, na redução do seu arsenal químico, ao aderir à convenção sobre as armas químicas, também é certo que tem andado novamente, sob os auspícios russos a tentar ludibriar a comunidade internacional sobre a eliminação total dessas armas.

O que sabemos agora é que este ataque provoca uma situação complicada para Putin. Não fazer nada seria mostrar que não faz muito pelos seus aliados, fazer algo é também complicado, mas depende das “consequências” que quer retirar deste ataque.

O que acho que Obama faria neste caso, independentemente do que o próprio possa dizer agora, era recolher indícios irrefutáveis sobre o último ataque Sírio, envolvendo Assad, para exigir que a Rússia largasse definitivamente os vetos no CSNU, e abrisse as portas da Síria para a inspeção e monitorização da eliminação total e imediata das armas químicas pelo regime de Assad. Isto, sim, teria eficácia duradoura e seria a melhor resposta. Só se tudo o mais falhasse avançaria para o ataque, que aliás ponderou no passado, com todo o apoio possível da comunidade internacional que seria bem mais alargado. Trump, porém, não é Obama e daí a nossa inquietação sobre os desenvolvimentos desta complicada situação no Médio Oriente.

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