O mundo ocidental está em estado de choque. Por um lado, ouvimos as declarações estapafúrdias de Donald Trump, convidando a Rússia a invadir os países da NATO que gastem menos de 2% do PIB nas Forças Armadas. Por outro lado, testemunhamos o comportamento dos republicanos no Congresso dos Estados Unidos bloqueando a ajuda à Ucrânia, numa estratégia mal disfarçada de ajuda a Vladimir Putin, um evento totalmente impensável até há pouco tempo.
Aos poucos, quer Trump ganhe quer não ganhe as eleições, está a crescer a falta de confiança na seriedade do compromisso americano com os seus aliados em geral e com a NATO em particular. Mesmo que Trump perca as eleições, o isolacionismo americano pode continuar a influenciar o comportamento do Congresso. A própria esquerda americana não está livre de ser infetada pelo vírus isolacionista já que a extrema-esquerda do Partido Democrático é assumidamente contra qualquer papel militar relevante dos EUA no exterior. Se tal acontecer, é garantido que o Congresso americano continuará a bloquear intervenções e medidas de apoio dos EUA a países aliados e amigos, eventualmente deixando-os abandonados em situações de crise, como já aconteceu no Afeganistão.
Esta falta de confiança crescente nos EUA está a deixar uma série de países, europeus e não só, muito receosos do imperialismo conquistador russo. A história da Ucrânia diz-lhes que a decisão crítica ocorreu quando a Ucrânia prescindiu das suas armas nucleares em 1994 no contexto do acordo designado como Memorando de Budapeste que supostamente dava à Ucrânia garantias de segurança, garantias prometidas pelos russos e pelos países ocidentais. Como se viu, tais garantias vieram a revelar-se totalmente falsas. A mensagem para a Polónia, para os países bálticos e para outros países ameaçados pela Rússia é clara: a melhor garantia de proteção contra a Rússia é disporem de capacidades de retaliação nucleares próprias e independentes dos incertos e inconstantes “aliados” americanos. Aparentemente, começam a surgir notícias nos meios de comunicação internacionais que os próprios alemães começam a pensar na desejabilidade de disporem de armas nucleares.
Devagar e por enquanto de forma muito discreta está a começar uma nova etapa da corrida às armas nucleares. A proliferação nuclear já não decorre só no Irão. A Coreia do Norte desde há muito que adotou uma estratégia nuclear para garantir não só a segurança do regime como a capacidade de ameaçar e chantagear vizinhos. Estamos a correr o risco de a nuclearização da Coreia do Norte em breve ser copiada por outros países. Em resposta à busca de armas nucleares pelo Irão, a Arábia Saudita procurará obter uma capacidade de dissuasão nuclear, porque não confiará nuns EUA cada vez mais isolacionistas para cumprir essa missão. A proliferação nuclear irá certamente incluir alguns países da NATO mais diretamente ameaçados pelo imperialismo russo. Os países bálticos não têm um território tão grande como a Ucrânia: qualquer invasão russa constitui uma ameaça existencial, possivelmente justificando o emprego retaliatório de armas de destruição maciça. A Polónia, a Suécia e têm territórios mais extensos, mas também elas, e mais recentemente a Alemanha, dão sinais de procurar a prevenção de agressões e invasões que as armas nucleares podem providenciar.
As ameaças e os riscos destas novas fases de proliferação nuclear são enormes. Quanto maior o número de países com armas nucleares, maior a probabilidade de elas acabarem por ser usadas nalgum conflito. Começamos a ver que o mundo que está a surgir após o colapso da União Soviética e a ascensão de autocratas imperialistas é um mundo muito inseguro, sobretudo quando os EUA se recusam a fazer o papel de líder responsável. Em 1914, as potências mundiais deixaram-se arrastar como sonâmbulos para um conflito desastroso, a primeira Guerra Mundial. O atual sonambulismo americano faz-nos recear novos conflitos, potencialmente tão ou mais sangrentos que as guerras mundiais, porque a proliferação de armas nucleares aumenta brutalmente o risco de as tragédias de Hiroshima e Nagasaki não ficarem isoladas nos livros de história.